terça-feira, 6 de dezembro de 2011

COMPAIXÃO

João Duque, humanista e filósofo, em sua palestra nos mostra qual é o sentido do sofrimento, como devemos compreender o sofrimento do outro, porquanto somos co-responsáveis pelos danos e males causados ao homem mediante a ação dolosa ou culpósa de outro humano, conforme podemos apreender de suas próprias palavras:

"A paixão pelo outro significa uma básica solidariedade no sofrimento do outro, na medida em que o ser humano é capaz de sofrer com o sofrimento do outro. É este o sentido habitual da simpatia ou da compaixão. Neste nível já não nos situamos na mera atração pelo outro, mas a caminho de uma responsabilização ética, embora assumida no afeto, por sermos afetados, às vezes até contra a nossa vontade explicita, pelo sofrimento dos outros. Dessa afetação passional, originaria e fundamental pode resultar explicita opção ética de sofrer com o outro, em responsabilidade por este sofrimento.
A questão da responsabilidade pelo outro é complexa. Trata-se da interpelação que ressoa da pergunta originária colocada a todo ser humano e que está em Genesis IV, 9 : “Onde está o teu irmão?”. Nesse sentido, o sofrimento do outro tem sempre algo a ver comigo, na medida em que eu sou responsável por ele. Responsabilidade que pode ser entendida no sentido de culpa, pois somos solidariamente culpados pelo que de mal os humanos podem fazer a outros humanos. Por isso, somos solidariamente responsáveis pelo sofrimento que é provocado no outro ser humano, que é, portanto, sofrido pelo outro.
Ao mesmo tempo, sentimos que somos responsáveis pela superação desse sofrimento, seja no modo prático, naquilo que pode ser feito, para que este sofrimento possa ser evitado ou suplantado, seja no modo da esperança, na medida em que esperamos que para todos sem exceção, o sofrimento não tenha a última palavra.
Essa lógica da responsabilidade que conduz ao sentimento e à pragmática da compaixão aprofunda-se ainda mais no nível da substituição, pois de fato, seja porque nos sentimos culpados pelo sofrimento do outro, que é uma culpa estranha, mas real, quando sentimos que este sofrimento será tão merecido por mim quanto pelo outro, em última instância.
Assim, o modo mais natural de nos relacionarmos com esse sofrimento é assumindo o lugar do outro, nesse sentido de relação extrema ao sofrimento do outro, a paixão pelo outro se transforma em sofrimento pelo outro, o sofrer em vez do outro. É nesse modo extremo da compaixão, enquanto substituição do outro, que se dá a passagem do sentimento de si para o sentimento do outro na paixão, como o modo mais excelso de compaixão pelo outro como tal, sem exceção. Estaríamos assim, na manifestação máxima do amor como modo supremo de existência na fé e na relação com o primordial a que chamamos Deus."

A filiação | Prof. João Duque 4

Ser e sentir-se sendo a partir do outro é, assim, o nosso fundamental modo de ser, tal como é o modo fundamental de ser do próprio Deus enquanto Deus-Filho. A partir desta identidade originária parte para a identidade eterna, propondo que o si mesmo na eternidade, após a morte biológica e na ressurreição, seja um si mesmo constituído plenamente como ser apenas a partir do Outro...

A promessa e o perdão | Prof. João Duque 3

A promessa e o perdão são dois elementos que marcam a presença do outro em nós e que são importante no campo da afectividade ou do sentimento de nós mesmos. Elementos relacionados com a nossa experiência da finitude do tempo....

O 'erro' de Damásio | Prof. João Duque 2

Prof. João Duque, director adjunto da Faculdade de Teoogia, Braga, faz uma crítica à perspectiva de Damásio, isto é, ao modo como este considera o que significa o si que existe no sentimento de si. Apresentando, no final da sua exposição, o que considera o si mesmo — o 'self' — dos humanos, em perspectiva cristã, e o modo como chegamos a sentir esse si mesmo ('self').


Para consulta do currículo ver:

http://www.degois.pt/visualizador/curriculum.jsp?key=9410621486613445


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O lugar do outro | Prof. João Duque 1

O prof. João Duque apresenta a sua proposta: a relação do outro a mim na constituição do sentimento da minha identidade.

Reciprocidade, fraternidade, justiça: uma revolução da concepção de economia

5/6/2011

Reciprocidade, fraternidade, justiça: uma revolução da concepção de economia. Entrevista especial com Stefano Zamagni

Reciprocidade é “dar sem perder e receber sem tirar”. Foi assim que Stefano Zamagni, economista italiano, explicou, de forma simples, um dos pilares da chamada “economia civil” em sua passagem pela Unisinos no último dia 30 de maio, a convite do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

A economia civil – conceito estudado por Zamagni há anos – é um fenômeno marcado, por exemplo, pelas empresas de economia de comunhão, pela responsabilidade social empresarial, pelas empresas sociais, pelas empresas cooperativas. Ou seja, “um modo verdadeiramente revolucionário de conceber a economia”, que “não é o de exaltar o mercado ou o Estado, mas sim o de introduzir no agir econômico formas de empresa que não tenham como fim o lucro, isto é, a maximização do lucro, e muito menos o fim especulativo”.

Nesta entrevista, concedida pessoalmente, Zamagni aborda as ideias-chave do seu pensamento, perpassando economia, história, administração, sociologia. Também fala sobre o processo de produção da encíclica Caritas in Veritate, de Bento XVI, publicada em 2009, sobre o “desenvolvimento humano integral”, da qual Zamagni foi o único leigo, em um seleto grupo de 11 estudiosos, a colaborar com o papa. E analisa ainda o fundamento mais profundo do seu pensamento: a fé católica. “Eu sempre me senti bem na fé católica porque ela dá a liberdade, a liberdade verdadeira. Digo isso, sobretudo, porque satisfaz uma exigência que eu tive desde pequeno que é a justiça, que deve ser buscada pelo caminho do amor, não da revolução. E o único lugar que me dava a possibilidade de unir justiça e fraternidade era a Igreja”. E, por último, desafia as universidades para que, a exemplo da Igreja, produzam “pensamento pensante” e não calculante: não um pensamento que apenas ajude a resolver os problemas, mas sim um pensamento que dê a direção, o saber se se deve ir “por aqui ou por lá”.

Economista italiano, Stefano Zamagni é professor da Universidade de Bolonha, na Itália, e vice-diretor da sede italiana da Johns Hopkins University.

Recentemente, Zamagni ganhou destaque mundial por ter sido um dos principais consultores e assessores do Papa Bento XVI na redação da encíclica Caritas in Veritate, publicada em 2009, acerca do “desenvolvimento humano integral”.

Desde 2007, é presidente da Agência para as Organizações Não Lucrativas de Utilidade Social – Onlus, entidade do governo italiano responsável pelas associações sem fins lucrativos. Desde 1991, é consultor do Conselho Pontifício “Justiça e Paz”, do Vaticano. De 1999 a 2007, foi também presidente da Comissão Católica Internacional para as Migrações – ICMC. Em 2010, recebeu o título de doutor honoris causa em economia da Universidade Francisco de Vitoria, de Madri, Espanha.

É autor de inúmeros livros, dentre os quais destacamos Microeconomia (Ed. II Mulino, 1997), Per una Nuova Teoria Economica della Cooperazione (Ed. Il Mulino, 2005) e L'Economia del Bene Comune (Ed. Città Nuova, 2007). Em português, publicou em 2010 Economia Civil: Eficiência, Equidade e Felicidade (Ed. Cidade Nova), com coautoria de Luigino Bruni.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A economia de comunhão consegue pôr em prática, efetivamente, a economia do dom, da dádiva? Ou ainda está em um estágio muito inicial em que a reciprocidade é algo ainda muito embrionário?

Stefano Zamagni – A economia de comunhão nasceu no Brasil, em São Paulo, há exatamente 20 anos, no dia 29 de maio de 1991, a partir de uma intuição de Chiara Lubich (1), a fundadora do Movimento dos Focolares (2), que, não sendo economista, teve a coragem de fazer com que se entendesse que um modo verdadeiramente revolucionário de conceber a economia não é o de exaltar o mercado ou o Estado, mas sim o de introduzir no agir econômico formas de empresa que, mesmo sendo privadas do ponto de vista jurídico, não tenham como fim o lucro, isto é, a maximização do lucro, e muito menos o fim especulativo.

Qual é a ideia que estava na base desse projeto? O de introduzir, no agir econômico, o princípio de reciprocidade, mostrando que se pode ser empreendedor e ter resultados positivos também respeitando o princípio de reciprocidade, isto é, a fraternidade. Hoje, no mundo inteiro, são cerca de 1.500 as empresas que aderiram voluntariamente a esse projeto. E essas empresas se desenvolveram em todos os países, por exemplo, nos Estados Unidos – ninguém imaginaria isso. Justamente nestes dias, tive a possibilidade de falar com uma empresa de Indianápolis, dos EUA, cujo empresário aderiu ao projeto e me disse que as coisas estão andando muito bem, do ponto de vista econômico.

Então, a primeira notícia importante é que aplicar esse cânone não lhe faz estar mal do ponto de vista econômico. Esse é o grande mérito da economia de comunhão. É verdade que são poucas [as empresas] ainda. Mas essa não é a questão. A questão é explicar aos outros que é possível ser empreendedor também sem explorar os demais.

Por quê? Eis a questão. Porque se demonstra – e aqui é a teoria econômica que o demonstra – que, se em uma empresa, quem tem a sua responsabilidade adere ao princípio de reciprocidade, aumenta a sua produtividade.

Por quê? Porque aumenta a sua inovação e, sobretudo, a participação daqueles que trabalham na empresa à condução dos negócios. E esse é um resultado que a teoria econômica há muito tempo havia demonstrado, mas que ninguém havia traduzido para a prática. Se nas empresas de tipo especulativo você, empresário, deve gastar tanto dinheiro no monitoramento e sobretudo para obter resultados que vão além do ordinário, deve lhes dar incentivos. Mas, como a crise mostrou, dando incentivos se produzem desastres. Eis porque as empresas de economia de comunhão, mesmo não explorando ninguém, mesmo não fazendo corrupção, mesmo pagando todos os impostos, têm resultados positivos, porque existe a compensação, por parte dos funcionários, que colaboram e, portanto, dão o melhor de si mesmos.

Para concluir, se você trata bem a uma pessoa, essa pessoa lhe será recíproca desse bem. Ao contrário, nas empresas tradicionais, pensa-se em obter dos funcionários uma certa disciplina com o chicote, e o resultado é que eles procurarão boicotar ou evitar os requisitos e demandas do empresário.

IHU On-Line – E as empresas que fazem aquilo que se chama de “responsabilidade social empresarial” seriam também uma forma de economia civil ou de comunhão, ou não?

A responsabilidade social da empresa – que em inglês é corporate social responsibility – nasceu nos EUA em 1954, quando um economista norte-americano, chamado Robert Bowen, escreveu um artigo em que usou essa expressão. Nos primeiros 10 ou 15 anos, esse autor foi ridicularizado, particularmente por Milton Friedman (3). Mas, depois, tornou-se uma marca difundida em todo o mundo, com nomes diversos – em italiano se diz responsabilità sociale d'impresa. O que demonstra esse fenômeno? Demonstra que a análise baseada na teoria da economia civil, a que nós estamos levando adiante, é verdadeira. Por quê? Porque quer dizer que até o mundo da empresa capitalista tradicional entendeu que há uma responsabilidade social da empresa e não apenas uma responsabilidade legal ou individual.

Essa é a melhor confirmação de que, se até nesse mundo consegue-se compreender essa necessidade e urgência, com maior razão têm valor expressões como a da economia de comunhão ou das empresas cooperativas que estão nascendo em todo o mundo. Nos EUA, são, de fato, 2 milhões de cooperativas. A empresa cooperativa não é especulativa e não tem fins lucrativos.

Estamos diante de uma realidade na qual as tipologias de empresa estão se multiplicando. A última, nascida na Europa, é a empresa social – em inglês, social enterprise – que foi avalizada por uma deliberação do Parlamento Europeu de Estrasburgo no dia 19 de fevereiro de 2009, votada com uma maioria de 80%. Foi a primeira vez que isso aconteceu. Nessa resolução, o Parlamento Europeu, com 80% de maioria, diz que não podemos seguir em frente só com as empresas de tipo capitalista. Precisamos dar força às empresas sociais, as social enterprises. Isto é, empresas que não têm fins lucrativos, mas têm outros fins a serem alcançados. Portanto, o Parlamento Europeu pediu aos 27 governos da Europa que adaptem a legislação e as regras da concorrência para permitir que as empresas sociais alcem voo. E essa é uma grande novidade.

E o que há na base de todos esses fenômenos – empresas de comunhão, responsabilidade social da empresa, empresas sociais, empresas cooperativas? A conclusão desse discurso é que precisamos tornar o mercado pluralista. Isto é, a analogia é com aquilo que ocorre na política: na esfera política, se você tiver um só partido, pode haver a democracia? Há a ditadura. Ocorre a mesma coisa na área econômica: se houver um só tipo de empresa – a empresa capitalista –, você não pode dizer que há democracia econômica, porque há um único tipo de empresa. Essa é, hoje, uma grande descoberta que só certos professores de economia que não têm cultura não conseguem compreender. Atenção, porém: não se está dizendo que as empresas devem desaparecer. Não, ninguém diz isso. Os marxistas diziam isso.

Aqui, ao invés, devemos pensar em uma economia como um mar, no qual nadam diversos tipos de peixes. E então a organização institucional – o Estado, os parlamentos etc. – devem adaptar as leis para permitir esse pluralismo.

IHU On-Line – Na própria economia de comunhão, ainda se vê, de um lado, uma pessoa que possui os meios de produção, e, de outro lado, os empregados, que não possuem esses meios. Chegará um ponto em que a propriedade também será comum nas empresas de economia de comunhão?

Stefano Zamagni – O ponto é este: a ideia de base da economia de comunhão é o de traduzir, na prática e em princípio, a fraternidade. Ora, é claro que, na fase inicial, se você quiser dar à empresa de comunhão uma forma de propriedade comum, isso não é uma exceção, porque dentro da economia de comunhão há empresas cooperativas e empresas não cooperativas, mas muitas são cooperativas. Portanto, veja que há a propriedade comum.

Naquelas que não são cooperativas, é verdade que alguns têm a propriedade, e os outros são funcionários. É verdade. Mas, atenção: na regra do projeto da economia de comunhão, diz-se que o funcionário, se o requerer, pode se tornar sócio da empresa, mas obviamente deve pôr à disposição uma parte do seu capital. Nem todos estão em condição de poder pagar a cota de capital, mas também não são excluídos. Não é como nas outras empresas que, sendo cotadas na bolsa, estão sujeitas à especulação.

Em segundo lugar, os funcionários são tornados partícipes do processo decisório. Essa é a questão. Isto é, as empresas de economia de comunhão realizam aquilo que se chama de democratic stakeholding. Portanto, vão além da responsabilidade social, porque, na responsabilidade social da empresa, ninguém fala ainda de democratic stakeholding, isto é, tornar os funcionários partícipes do processo decisório. Assim, alguém tem a propriedade, essa propriedade não lhe autoriza a excluir os funcionários das decisões estratégicas etc.

O terceiro ponto é que os lucros, ou o resultado líquido no final do ano, é dividido em três partes. Uma parte fica na empresa; outra parte é utilizada para levar ajuda aos necessitados da região; e a terceira parte é usada para fazer investimentos em capital humano, dos funcionários e de outros. Portanto, mesmo que alguns sejam proprietários, eles ficam com 1/3 do lucro.

Então, é óbvio que esse tipo de crítica é sem sentido. Primeiro, porque se fica apenas com 33%. Segundo, porque se realiza o democratic stakeholding, isto é, uma governança democrática. Terceiro, porque os funcionários, quando tiverem feito as suas economias, podem se tornar sócios da empresa.

IHU On-Line – Dom, comunhão, bem comum, solidariedade, reciprocidade, fraternidade: esses conceitos dialogam? Como? E de que forma são concretizados pela economia civil?

Stefano Zamagni – Nos estudos de economia, há dois grandes paradigmas: o paradigma da economia civil e o paradigma da economia política. Depois, havia um terceiro paradigma que é o da economia marxista que já desapareceu. E, portanto, hoje, permaneceram em cena só esses dois paradigmas. O paradigma da economia civil começa a se desenvolver em 1400 na Itália e continua até a metade de 1700. Depois, ele é superado pelo paradigma da economia política. Adam Smith (4), inglês, é quem batiza a economia política, mas ele conhecia a economia civil, porque havia estado em Paris por dois anos e ali havia conhecido italianos como Antonio Genovesi (5), o máximo representante da economia civil.

A primeira coisa a ser dita é que não há um só modo de fazer a ciência econômica. Infelizmente, todos os estudantes e professores pensam assim, porque não estudam a história. Se tivessem estudado a história da ciência econômica, saberiam que essa ciência nasce na época do humanismo – 1400 – e continua até, como disse, a metade de 1700. Muitos não sabem que a primeira cátedra universitária do mundo de economia foi instituída pela Universidade de Nápoles em 1753 e se chamava Cátedra de Economia Civil. E o primeiro catedrático foi Antonio Genovesi, que era um abade.

A pergunta que muitos se fazem é: como é possível que a economia civil tenha cedido espaço à economia política? A resposta está aqui: a revolução industrial. E onde a revolução industrial estoura? Na Inglaterra, em 1700. E Adam Smith era inglês. É óbvio que a revolução industrial põe um problema econômico novo, isto é, a acumulação de capital. Era preciso acumular capital físico, as máquinas. Por várias décadas, foi preciso realizar uma rápida acumulação de capital para permitir que as empresas adotassem os novos maquinários. Mas, para fazer isso, o que era preciso fazer? Era preciso aceitar a exploração do trabalho. Se lermos a Rerum Novarum (6), de Leão XIII, vemos que ela está mais à esquerda do que Marx (7). Isso porque as condições do trabalho eram terríveis. Na América ainda havia a escravidão. Mas por quê? Porque era preciso acumular capital para fazer funcionar as máquinas. E então a economia civil já não andava bem, porque ela falava que não era preciso explorar ninguém, falava de bem comum. Eis como aconteceu. As exigências da revolução industrial tornaram obsoleta a economia civil, porque a reciprocidade e a fraternidade não podem ser aplicadas onde há escravidão. Eis porque se considerou eliminar a palavra fraternidade, que incomoda. Como você faz para ser meu irmão se é meu escravo?

Por isso, então, que a economia política se desenvolve, porque ela não fala mais de reciprocidade, de fraternidade, e, portanto, as novas categorias permitem que a nascente burguesia decole e se desenvolva. Esse processo continua até um quarto de século atrás, porque, há um quarto século, inicia um fenômeno que se chama de globalização, mas, sobretudo, a terceira revolução industrial. E o que está acontecendo hoje, então, é que, com a nova fase histórica da globalização e da terceira revolução industrial, o paradigma da economia política está se tornando obsoleto e se está retornando à economia civil. A economia civil é como um rio cársico – que corre pela superfície, depois vai para o subsolo e depois retorna à superfície. Hoje, a economia civil está voltando ao auge porque todos se dão conta daquilo que está acontecendo com a economia política: uma crise financeira após a outra, o aumento das desigualdades, o aumento da infelicidade e assim por diante. Eis porque, nos últimos 10 ou 15 anos, palavras como reciprocidade, dom, gratuidade estão retornando aos livros e à internet.

IHU On-Line – Quais são os pontos centrais dessa outra economia, da economia civil?

Stefano Zamagni – É o de mostrar que o erro básico da economia política está em uma tese antropológica, isto é, a do homo economicus, segundo a qual todos os seres humanos são egoístas e estão interessados somente em usar a metáfora de Hobbes (8) que dizia “mors tua, vita mea”, que quer dizer “a tua morte é a minha vida”. Ora, nós sabemos que há um percentual de agentes econômicos que são assim, é verdade, mas não todos. A maior parte não é assim. Então, o reducionismo da economia política não é aquele que diz algo errado, mas aquele que diz somente uma parte da verdade. Nós sabemos que há sujeitos que, ao invés, não são antissociais, mas são pró-sociais. Bastaria pensar em todos aqueles sujeitos econômicos que são movidos por uma motivação ideal, como, por exemplo, dizíamos antes, as empresas da economia de comunhão. Por que os empresários decidem dar dois terços do seu próprio lucro? Ninguém os obriga. Há uma escolha livre.

Eis então o ponto em questão: a microeconomia que nós desenvolvemos não diz: “Se os sujeitos econômicos são hobbesianos – isto é, seguem Hobbes, que dizia ‘homini homini lupus’, isto é, todo homem é um lobo perante outro homem –, então, vejamos o que acontece e os desdobramentos da teoria”. Depois, dissemos: “Se mudarmos a perspectiva e assumirmos que haja, ao contrário, sujeitos pró-sociais, então, estes outros serão os resultados”. Depois disso, o estudante, o estudioso é, nesse caso, livre para escolher qual é a perspectiva que mais o agrada.

Enfim, a última coisa que deve ser recordada é que a teoria econômica não é como a teoria das ciências naturais, mas tem um efeito chamado de “dupla hermenêutica” – isso é filosofia da ciência, e os economistas não sabem nada disso, são ignorantes. O que é a teoria da “dupla hermenêutica”? É que a teoria econômica, quando é explicada, estudada, sobretudo pelos jovens, muda a sua mente. Se eu lhe explico uma teoria econômica baseada na tese antropológica do egoísmo, você, depois de pouco tempo, torna-se egoísta, mesmo que não o quisesse. Aqui há uma grave responsabilidade moral dos professores, que não podem dizer: “Eu explico uma teoria”. Porque, se eu explico somente essa teoria, você, que é o meu estudante, no final, se convence, e, portanto, eu estou exercendo uma violência sobre você. Porque você, estudante, não tem a possibilidade de criticar, porque tem um pouco de medo do professor e no final se convence de que esse é o modo. Hoje, existem provas experimentais da teoria dos jogos que mostram que certos jogos feitos com os estudantes de doutorado de economia dão resultados diversos se forem feitos com os estudantes de outras matérias.

IHU On-Line – Muitos estudiosos dizem que há diversas crises: ecológica, alimentar, energética, financeira, do trabalho, e que tudo isso é uma crise ético-cultural. A economia civil seria uma possibilidade de um novo paradigma civilizacional?

Stefano Zamagni – O paradigma da economia civil libera as energias criativas das pessoas na proposição concreta de vias de solução. Nós vemos que onde esse modo de explicar a economia é executado, muda a realidade, porque os estudantes, depois de estudar essas coisas, começam a se tornar empreendedores sociais, fazem o microcrédito, a finança ética. A finança ética é uma coisa importante hoje. Ela chega aos 20% do volume mundial das transações financeiras. Trata-se de centenas de bilhões de dólares. E o comércio ecossolidário aqui entre vocês ainda é pouco, mas na Europa está muito difundido. As pessoas, as famílias, quando vão ao supermercado, compram os produtos do comércio ecossolidário.

Como dizia antes, a teoria econômica não é como a teoria física. Se eu estudo astronomia e me equivoco na minha teoria, o movimento do Sol, da Terra etc. muda? Não, porque seguem em frente segundo suas leis. Mas, na economia, se eu ensino uma teoria de um certo tipo, como disse antes, isso faz com que você se convença que esse é o único modo de se comportar. Eis por que a economia civil tem uma forte capacidade de transformação, porque diz: “Você quer ser empresário capitalista? Seja. Siga em frente, ninguém lhe impede”. Mas eu tenho que dar a possibilidade a um outro que queira ser empreendedor social que o possa fazer; àquele outro que quer fazer uma cooperativa, que o possa fazer. Portanto, amplia-se a gama de possibilidades. E, assim, vai-se contra a ditadura, porque a ditadura é ter só um tipo de empresa.

Hoje, há tantas necessidades que poderiam ser resolvidas se fosse aumentada a tipologia de empresas. Porque a grande empresa capitalista não vê certas necessidades. Eis porque a economia civil tem uma forte carga operativa, porque libera as energias e, sobretudo, a fantasia.

IHU On-Line – O senhor trabalhou junto com o Papa Bento XVI na confecção da encíclica Caritas in Veritate (9). Como foi esse processo?

Stefano Zamagni – Eu faço parte do Pontifício Conselho “Justiça e Paz” desde 1991 e, como membro desse conselho, nesses 20 anos, participei de diversas iniciativas e na produção de muitos textos. Quando João Paulo II preparou a encíclica Centesimus Annus (10), por meio do Pontifício Conselho, o papa me pediu que organizasse um seminário no Vaticano, com a presença do papa, com os melhores economistas em nível mundial. Eu o organizei e, no final, foi publicado um livro – traduzido em todas as línguas –, que teve um sucesso extraordinário. O papa queria saber se os princípios da Centesimus Annus eram adequados. Depois, sucessivamente, escrevi documentos sobre outros temas de matéria de economia e de sociologia do Pontifício Conselho.

Quando chegamos à Caritas in Veritate, este papa queria publicá-la em 2007 pelos 40 anos da Populorum Progressio (11), que havia sido publicada por Paulo VI em 1967. Então, para recordar esse evento, em 2007, ele queria justamente publicar uma nova encíclica que remontasse àquela. E, como sempre é práxis, o Pontifício Conselho “Justiça e Paz” foi encarregado no final de 2005 de preparar os materiais, isto é, um esquema de base que, depois, o papa, de tempos em tempos, olhava. Ao longo desse trabalho, evidentemente, eu, fazendo parte do Pontifício Conselho, me envolvi participando do primeiro esboço do documento. Esse primeiro esboço, depois, circulou por todas as conferências episcopais do mundo e entre um grupo selecionado de chamados “leitores” para se ter um feedback, um efeito de retroação.

Quando isso ocorreu, e já estamos em 2007, ficou evidente toda uma série de diversidades de pontos de vista, porque algumas conferências episcopais não respondem – porque não eram obrigadas a responder –, e algumas dizem de um modo, outras dizem de outro, alguns teólogos dizem de um modo, outros dizem de outro e assim por diante. Nesse ponto, para buscar colocar em harmonia, em sintonia as diversas respostas, foi constituído um grupo mais restrito de 11 pessoas presidido pelo cardeal norte-americano [William Joseph] Levada (12), que já era o presidente da Congregação para a Doutrina da Fé. Dessas 11 pessoas, eu era o único leigo – os outros eram três cardeais, quatro bispos e três professores de Teologia. Entre as observações, sob um pano de fundo, havia um vivaz debate, começando do título: alguns queriam que se chamasse Veritas in Caritate, outros Caritas in Veritate. E também sobre a fundamentação teológica da própria encíclica.

Ora, dois papas diferentes, em outras encíclicas, haviam declarado até Pio XI, que a teologia oficial da Igreja é a tomista, de São Tomás [de Aquino] (13). O então cardeal [Joseph] Ratzinger era pró-presidente da doutrina da Igreja e faz um documento em que, ao contrário, diz que não existe uma escola teológica única da Igreja. O tomismo é um grande ponto de referência, mas também há diversas escolas. Quando se tornou papa, ele fez um documento, um motu proprio, em que diz essas coisas, como que dizendo: não podemos ligar o cristianismo só ao tomismo. O tomismo merece uma grande atenção. Mas também existem a escola franciscana, a escola beneditina e também outras correntes de pensamento.

Voltando, então, à encíclica, eu tornei presentes essas coisas. Porque quem queria o título Veritas in Caritate se apoiava na linha do tomismo, porque São Tomás retoma a frase de São Paulo: “Veritas in Caritate”. E então diziam: “Nós devemos seguir isso”. E eu disse: “Não, porque o tomismo não é a única impostação teológica da Igreja”. Este papa tem, como fundamento teológico, Agostinho [de Hipona] (14) e o franciscanismo, porque Ratzinger escreveu sua tese de doutorado, quando estava na Alemanha, sobre São Boaventura de Bagnoregio (15), que é o “segundo São Francisco”, o que veio depois de São Francisco e se tornou o superior-geral. Isso quer dizer que o fundamento teológico deste papa é menos tomista e mais agostiniano – de fato, o papa sempre cita Santo Agostinho e o franciscanismo.

No final, foi dito: “Apresentemos os textos ao papa e que ele escolha o que quiser para a sua encíclica”. E a escolha foi “Caritas in Veritate”. E a encíclica Caritas in Veritate, sem citá-la, retoma temas da economia civil, porque esta nasce, como disse antes, com o franciscanismo. Tendo o papa uma fundamentação teológica franciscana, quando chegou o texto com essas referências, disse: “Ah, isso me agrada muito”. Ele, não sendo um economista, não podia saber. Quando viu que existe uma teoria econômica que é a economia civil, ele disse: “É aquilo que eu esperava”.

A propósito do título, que diferença existe entre Caritas in Veritate e Veritas in Caritate? A diferença é que Caritas in Veritate quer dizer afirmar o primado do bem sobre o verdadeiro. Primeiro está o bem, depois vem a verdade. Porque Deus caritas est [Deus é amor]. O Deus cristão é o Deus do bem, da caridade, não da verdade. A verdade vem depois. O que diz São João? Que a essência do Deus cristão é o amor. Porque, se tivesse dito que é a verdade, então Alá também é assim. Qual é a característica da religião cristã? O amor, a caridade. De fato, a primeira encíclica do papa é Deus caritas est. Ele não disse Deus veritas est. Eis porque a abordagem da economia civil lhe agradou muito. E isso demonstra que esse papa é verdadeiramente inteligente, porque compreende o novo. Ou seja, não é um conservador. É alguém que olha para a frente.


IHU On-Line – O senhor tem referências muito fortes e conhece muito a tradição católica. Como foi o seu percurso de fé?

Stefano Zamagni – Eu tive a sorte de sempre ser católico. A minha família era católica, e, desde pequeno, abracei, mesmo sendo criança, essa perspectiva. Digo apenas isto: aos oito anos, há 60 anos, eu venci um concurso de catequese, cujo prêmio consistia em ir a Roma e ser recebido pelo Papa Pio XII. Era um concurso internacional, por isso havia também crianças de outros países europeus. Quando fui, o Papa Pio XII, que era alguém que não falava com ninguém, que era muito severo, diferente de João Paulo II, me deu um tapinha na cara e me perguntou: “Tu gostas de Jesus?”. Eu o olhei e lhe disse: “Mas que tipo de pergunta é essa?” [risos]. E lhe respondi: “Mas é óbvio, é evidente que eu gosto de Jesus”. E naquela vez Pio XII se pôs a rir, ele que não ria com ninguém – se pôs a rir. E ele depois me disse, se despedindo: “Continua, então, sendo assim e verás”.

Depois entrei na Ação Católica, da qual me tornei dirigente, depois na Federação Universitária Católica Italiana – Fuci, e depois estive na Universidade Católica de Milão para fazer a faculdade e depois assumi toda uma série de cargos. De 1998 a 2007, fui presidente da Comissão Católica Internacional para as Migrações – ICMC, uma ONG do papa que se ocupa de migrantes e refugiados. No final desses oito anos, este papa me nomeou – eu não digo mais – Comendador-Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno (16), que poucos são – e geralmente ou se é Comendador ou Cavaleiro; eu sou ambos. O papa me deu todas aquelas coisas de ouro, que eu não visto nunca, porque não gosto dessas coisas. Depois entrei no Conselho de Administração do Hospital Bambino Gesù, que é o hospital do papa, em Roma, e que me deu muita satisfação.

Eu sempre me senti bem na fé católica porque – muitos pensam o contrário – dá a liberdade, porque eu sempre encontrei uma grande liberdade, a liberdade verdadeira. Isto é, a possibilidade, em qualquer momento, de dizer sim ou não, sem chantagens. Digo isso, sobretudo, porque a fé católica satisfaz uma exigência que eu tive desde pequeno que é, de um lado, a justiça – eu sempre sofri com a injustiça, porque eu venho de uma família muito pobre –, que deve ser buscada pelo caminho do amor, não da revolução. Porque muitos pensam que, para fazer justiça, é preciso negar a existência do outro. Isso nunca me agradou. Até quando eu não entendia a economia, quando eu era pequeno, eu dizia: “Não é possível que eu, para fazer justiça – e é preciso fazê-la –, esqueça que os outros são meus irmãos”. E então o único lugar que me dava a possibilidade de unir justiça e fraternidade era a Igreja, que, a partir do exemplo de Jesus, pregava exatamente essas coisas. Porque os outros âmbitos – partidos, ideologias, sistemas vários de pensamento – ou exaltavam um aspecto, ou exaltavam o outro; não conseguiam uni-los. Eis porque sempre achei natural, para mim, estar dentro deste âmbito.

IHU On-Line – E como o senhor vê a Igreja hoje, com este papa? Que futuro tem?

Stefano Zamagni – Nós sabemos que a Igreja se apoia sobre dois princípios: o princípio petrino e o princípio mariano. Essa é a grande distinção do famoso teólogo [Hans Urs] von Balthasar (17). Na história da igreja, há momentos em que prevaleceu o princípio petrino; em outros, o princípio mariano. João Paulo II foi um papa que fez prevalecer o princípio mariano. De fato, o pontificado de João Paulo II foi o pontificado dos movimentos. Ele deu amplo respiro a todos eles. Este papa [Bento XVI] tende a pôr maior ênfase sobre o princípio petrino, para balancear. Em outras palavras: a história da Igreja é a história dos cavalos (18) de Platão (19), isto é, deve sempre manter na mesma velocidade o princípio mariano e o princípio petrino. Se, em certas fases, um cavalo vai mais rápido do que o outro, o papa intervém para ajustar. Neste momento histórico, o atual papa está balanceando sobre a frente do princípio petrino, porque, nos últimos 25 anos, o princípio mariano foi muito em frente.

Pode-se ver isso a partir de muitos sinais. Por exemplo, o último em ordem de tempo, que me agradou muito, foi quando papa disse que os seminaristas que devem se tornar padres devem estudar mais – até mesmo latim, porque ninguém mais sabe o latim, que é a língua universal da Igreja. E o que significa estudar mais? É que, nos últimos 25 anos, de modo a se ter padres, foram ordenadas pessoas que não são capazes de desenvolver um pensamento. No passado, não era assim. Quem eram os mais inteligentes? Os padres. Quem estudava mais? Eles. Agora, ao invés, é o contrário. Esse é só um exemplo. O outro se refere ao problema da mulher na Igreja.

Portanto, eu estou muito contente com este papado porque equilibra a fase precedente. Mas, na fase anterior, era necessário dar força ao princípio mariano. Eis porque João Paulo II foi um grande papa e foi beatificado. Porque, se não fosse ele, depois do Concílio, os perigos seriam muitos.

Não nos esqueçamos de Antonio Rosmini (20), quando, em Delle cinque piague della Santa Chiesa, pergunta: “Qual é a forma mais alta de caridade?”. Resposta: “A caridade intelectual”. Nós pensamos que a forma mais alta é servir sopa, a filantropia. A forma mais alta da caridade é quando você leva a mensagem cristã a todos, quando faz com que todos a entendam. Porque, se eu conseguir fazer com que você entenda a grandeza da mensagem cristã, você não será mais pobre, porque a pobreza dos meios, de dinheiro é a consequência, não é a causa. Jamais vi uma pessoa com fé robusta ser pobre. Nunca. E isso também o diz um empresário que se tornou santo que se chamava [José] Tovini (21), quando dizia: “Com a fé, os nossos filhos jamais serão pobres”. Portanto, a primeira forma de caridade é a caridade intelectual. Levar a palavra – não para recitá-la, mas para encarná-la.

Por fim, hoje, o esforço da Igreja é o de produzir pensamento pensante. A encíclica Caritas in Veritate conclui com isso. Diz: “O mundo hoje sofre a carência de pensamento”. Não diz: “Sofre a carência de recursos”, mas sim a carência de pensamento. E hoje a Igreja deve voltar a produzir pensamento, porque depois o resto vem em consequência. Mas o pensamento deve ser pensante, não calculante. Porque o pensamento calculante, aquele que nos ajuda a resolver os problemas, é pensado pelos outros. O pensamento pensante lhe dá a direção, o saber se deve ir por aqui ou por lá. Eis porque, de fato, jamais como neste momento, a Igreja é respeitada, até por quem não é cristão, porque as pessoas veem que ela é uma das poucas instituições às quais se pode pedir o pensamento pensante. Porque as universidades quase todos nós as temos – e ali está o pensamento calculante.

Notas:

1 - Chiara Lubich (1920-2008): fundadora e presidente do Movimento dos Focolares. No início da década de 1940, com pouco mais de vinte anos de idade, trabalhava como professora em escolas primárias de sua cidade natal, Trento. Ingressou no curso de filosofia da Universidade de Veneza. Procurava a verdade profunda das coisas, justo no clima da Segunda Guerra Mundial, uma época plena de ódio e violência. Enquanto desmoronavam casas, homens e todas as coisas, descobre que Deus era para ela o único ideal que não passava. Divide, então, esta descoberta com outras companheiras e juntas formam um pequeno grupo, constituindo assim o primeiro núcleo do futuro movimento. Em 7 de dezembro de 1943, sozinha em uma capela, faz uma promessa a Deus de doar somente a Ele, e para sempre, toda a sua vida. Esta data é considerada, hoje, o início do Movimento dos Focolares. (Nota da IHU On-Line).

2 - Movimento dos Focolares: Nascido e aprovado na Igreja Católica, o Movimento dos Focolares, atualmente, está presente em 182 países, com mais de 120 mil membros internos e mais de dois milhões de aderentes e simpatizantes. Aberto a todos, reúne – pelo seu ideal de unidade, de fraternidade universal -, além dos católicos, cristãos de várias denominações, fiéis das grandes religiões e pessoas que não professam uma fé religiosa. (Nota da IHU On-Line).

3 - Milton Friedman (1912-): nascido em Nova Iorque, foi professor da Universidad de Chicago de 1946 a 1976, pesquisador do National Bureau of Economic Research, de 1937 a 1981, e presidente da American Economic Association, em 1967. Friedman é o mais conhecido líder da Escola de Chicago, isso devido em parte ao fato de que seus escritos são muito fáceis de serem lidos por leigos também. Defensor do livre mercado e monetarista, opôs-se ao keynesianismo no momento de seu máximo apogeu, nos anos 1950 e 1960. Propõe resolver os problemas da inflação limitando o crescimento da oferta monetária a uma taxa constante. Obteve o Prêmio do Banco da Suécia, em Ciências Econômicas, em memória de Alfred Nobel no ano de 1976. (Nota do IHU On-Line).

4 - Adam Smith (1723-1790): considerado o fundador da ciência econômica. A Riqueza das Nações, sua obra principal, de 1776, lançou as bases para um novo entendimento do mecanismo econômico da sociedade, quebrando paradigmas com a proposição de um sistema liberal, ao invés do mercantilismo até então vigente. Outra faceta de destaque no pensamento de Smith é sua percepção das sofríveis condições de trabalho e alienação às quais os trabalhadores encontravam-se submetidos com o advento da Revolução Industrial. O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promoveu em 2005 o I Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia. No segundo encontro deste evento a professora Ana Maria Bianchi, da USP, proferiu a conferência A atualidade do pensamento de Adam Smith. Sobre o tema, concedeu uma entrevista à IHU On-Line nº 133, de 21-03-2005, disponível em http://migre.me/xQmm.

Ainda sobre Smith, confira a edição 35 do Cadernos IHU ideias, de 21-07-2005, intitulada Adam Smith: filósofo e economista, escrita por Ana Maria Bianchi e Antônio Tiago Loureiro Araújo dos Santos, disponível para download em http://migre.me/xQnc.

Smith foi o tópico número I do Ciclo de Estudos em EAD – Repensando os Clássicos da Economia – Edição 2009, estudado de 13-04-2009 a 02-05-2009. O Ciclo de Estudos em EAD – Repensando os Clássicos da Economia – Edição 2010, em seu primeiro módulo, falou sobre Adam Smith: filósofo e economista. Para conferir a programação do evento, visite http://migre.me/xQsg. (Nota da IHU On-Line).

5 - Antonio Genovesi (1712-1769): foi um escritor de filosofia e política econômica e padre agostiniano italiano. Obteve a cátedra de metafísica e de ética da Universidade de Nápoles, em 1741. (Nota da IHU On-Line).

6 - Rerum Novarum: Encíclica do Papa Leão XIII "sobre a condição dos operários", publicada no dia 15 de maio de 1891, disponível em http://migre.me/4mXsP. (Nota da IHU On-Line).

7 - Karl Heinrich Marx (1818-1883): filósofo, cientista social, economista, historiador e revolucionário alemão, um dos pensadores que exerceram maior influência sobre o pensamento social e sobre os destinos da humanidade no século XX. Marx foi estudado no Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia. A edição número 41 dos Cadernos IHU ideias, de autoria de Leda Maria Paulani tem como título A (anti)filosofia de Karl Marx, disponível em http://migre.me/s7lq.

Também sobre o autor, confira a edição número 278 da IHU On-Line, de 20-10-2008, intitulada A financeirização do mundo e sua crise. Uma leitura a partir de Marx, disponível para download em http://migre.me/s7lF.

Leia, igualmente, a entrevista Marx: os homens não são o que pensam e desejam, mas o que fazem, concedida por Pedro de Alcântara Figueira à edição 327 da revista IHU On-Line, de 3-05-2010, disponível para download em http://migre.me/Dt7Q. (Nota da IHU On-Line).

8 - Thomas Hobbes (1588–1679): filósofo inglês. Sua obra mais famosa, O Leviatã (1651), trata de teoria política. Neste livro, Hobbes nega que o homem seja um ser naturalmente social. Afirma, ao contrário, que os homens são impulsionados apenas por considerações egoístas. Também escreveu sobre física e psicologia. Hobbes estudou na Universidade de Oxford e foi secretário de Sir Francis Bacon. A respeito desse filósofo, confira a entrevista O conflito é o motor da vida política, concedida pela Profa. Dra. Maria Isabel Limongi à edição 276 da revista IHU On-Line, de 6-10-2008. O material está disponível em http://bit.ly/bDUpAj. (Nota da IHU On-Line).

9 - Caritas in Veritate: Terceira encíclica do Papa Bento XVI, publicada no dia 7 de julho de 2009, "sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade". Foi a primeira encíclica de Bento XVI que versa sobre vários temas socioeconômicos, após a profunda crise económica e financeira das últimas décadas, disponível em http://migre.me/4mY6b. (Nota da IHU On-Line).

10 - Centesimus Annus: Encíclica publicada pelo Papa João Paulo II no centenário da Rerum Novarum em 1º de maio de 1991, disponível em http://migre.me/4mZEm. (Nota da IHU On-Line).

11 - Populorum Progressio: Encíclica escrita pelo Papa Paulo VI e publicada em 26 de março 1967 sobre o desenvolvimento dos povos, disponível em http://migre.me/4mYTT. (Nota da IHU On-Line).

12 - William Joseph Levada (1936-): cardeal norte-americano e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé desde o início do pontificado de Bento XVI e presidente da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei. (Nota da IHU On-Line).

13 - São Tomás de Aquino (1225-1274): padre dominicano, teólogo, distinto expoente da escolástica, proclamado santo e cognominado Doctor Communis ou Doctor Angelicus pela Igreja Católica. Seu maior mérito foi a síntese do cristianismo com a visão aristotélica do mundo, introduzindo o aristotelismo, sendo redescoberto na Idade Média, na escolástica anterior. Em suas duas Summae, sistematizou o conhecimento teológico e filosófico de sua época: são elas a Summa Theologiae, a Summa Contra Gentiles. (Nota da IHU On-Line).

14 - Aurélio Agostinho (354-430): Conhecido como Agostinho de Hipona ou Santo Agostinho, bispo católico, teólogo e filósofo. É considerado santo pelos católicos e doutor da doutrina da Igreja. (Nota da IHU On-Line).

15 - São Boaventura (1221-1274): nascido em Bagnoregio, na Itália, foi filósofo e teólogo escolástico medieval, franciscano, contemporâneo e amigo de Tomás de Aquino. Pertenceu à Ordem dos Frades Menores e foi cardeal de Albano. Em 1257 foi eleito ministro-geral dos franciscanos. Foi canonizado em 1482 e declarado Doutor da Igreja em 1588. (Nota da IHU On-Line).

16 - Pontifícia Ordem de São Gregório Magno: criada em 1831, pelo Papa Gregório XVI, é uma das cinco ordens pontifícias da Igreja Católica. É conferida a homens e mulheres em reconhecimento a seus serviços à Igreja, feitos notáveis, apoio à Santa Sé e ao bom exemplo dado à sociedade. Tem o privilégio de ser saudada pela Guarda Suíça do Vaticano e tem precedência sobre a Ordem de São Silvestre Magno, Ordem de Malta e Ordem do Santo Sepulcro. (Nota da IHU On-Line).

17 - Hans Urs Von Balthasar (1905-1988): teólogo católico suíço. Estudou Filosofia em Viena, Berlim e Zurique, onde doutorou-se em 1929, e em Teologia em Munique e Lyon. Destacou-se como investigador dos santos padres e da Filosofia e Literatura modernas, especialmente a franco-germana. Criou sua própria Teologia, síntese original do pensamento patrístico e contemporâneo. Entre suas obras destacam-se O cristianismo e a angústia (1951), O mistério das origens (1957), O problema de Deus no homem atual (1958) e Teologia da história (1959).

A edição 193 da IHU On-Line, de 28-08-2006, Jorge Luis Borges. A virtude da ironia na sala de espera do mistério publicou uma entrevista com Ignácio J. Navarro, intitulada Borges e Von Balthasar. Uma leitura teológica, disponível em http://migre.me/4Hkbv. (Nota da IHU On-Line).

18 - Em outra entrevista, Zamagni explicou a metáfora da seguinte forma: “Diz Platão: ‘o sulco sairá direito se os dois cavalos que puxam o arado, andarem à mesma velocidade’. À Economia de Comunhão, eu diria: preocupem-se em fazer com que os dois cavalos andem à mesma velocidade e próximos um do outro. Os dois cavalos são: por um lado aquilo que em termos económicos representa a eficiência, ou seja, a capacidade de estar dentro do mercado sem subvenções; o outro cavalo representa a fraternidade, ou seja, a tradução no agir econômico do princípio da reciprocidade”. A entrevista na íntegra foi publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU, 27-04-2011, disponível em http://migre.me/4HEvu. (Nota da IHU On-Line).

19 - Platão (427-347 a. C.): filósofo ateniense. Criador de sistemas filosóficos influentes até hoje, como a teoria das ideias e a dialética. Discípulo de Sócrates, Platão foi mestre de Aristóteles. Entre suas obras, destacam-se A República e Fédon. Sobre Platão, confira e entrevista As implicações éticas da cosmologia de Platão, concedida pelo filósofo Prof. Dr. Marcelo Perine à edição 194 da revista IHU On-Line, de 4-09-2006,disponível em http://migre.me/uNq3. Leia, também, a edição 294 da revista IHU On-Line, de 25-05-2009, intitulada Platão. A totalidade em movimento, disponível em http://migre.me/uNqj. (Nota da IHU On-Line)

20 - Antonio Rosmini (1797-1855): padre italiano, dedicou sua vida aos estudos de filosofia, política, ascética e pedagogia. Depois de terminar seus estudos na Universidade de Pádua, foi encorajado pelo Papa Pio VIII a conduzir os homens à religião por meio da razão, colocando-se contra movimentos de pensamento como o sensismo e o iluminismo. (Nota da IHU On-Line).

21 - José Tovini (1841-1897): leigo terciário franciscano italiano, advogado e político da Bréscia, foi beatificado por João Paulo II em 1998. Foi uma figura central nas difíceis relações Igreja/Estado do final do século XIX. (Nota da IHU On-Line).

(Por Moisés Sbardelotto e Gilberto Faggion)

Fonte: Instituto Hunanitas Unisinos

domingo, 4 de dezembro de 2011

Judiciário. É possível democratizar um poder elitizado?

O Judiciário é um poder elitizado e não democrático, constata o advogado José Carlos Moreira da Silva Filho, professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, em entrevista concedida à revista IHU On-Line desta semana.

Segundo ele, realizada em 2004, sua reforma ainda não é suficiente, e esse poder continua fechado e “avesso a investigações e distante dos anseios e demandas populares”.

Com a participação de pesquisadores e profissionais da área do Direito, a revista IHU On-Line desta semana analisa a elitização do Poder Judiciário e discute as possibilidades de democratizá-lo.

Impregnado de decisionismos, o Judiciário brasileiro é autoritário sob um manto de discricionariedade jurídica, pontua Leonardo Grison. Nomeações de cargos de confiança demonstram viés patrimonialista através da prática do apadrinhamento, analisa o professor da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul – Fisul.

Para Roberto Efrem Filho, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, na realidade de nosso país a participação do Judiciário na “divisão do trabalho de dominação se arquiteta sobre uma conivência não rara com práticas extremamente brutais de controle social”.

Na opinião do coordenador do curso de Direito da Unisinos, André Luiz Olivier da Silva, “o poder Judiciário é exemplar quando o criminoso é pobre”. O direito no Brasil é rigoroso e punitivo somente para alguns segmentos da sociedade; para outros, como os colarinhos brancos, é leniente. Em seu ponto de vista, a judicialização de conflitos sociais e políticos é uma das causas da sobrecarga do poder Judiciário.

Lênio Streck, também docente na Unisinos, assinala que “Montesquieu nunca pensou em um Judiciário nos moldes brasileiros”. Composto por ministros nomeados pelo presidente da República, o Supremo Tribunal Federal – STF guarda laivos de patrimonialismo e compadrio, afirma. A justiça funciona de uma forma para “o andar de baixo” e de outra para o “de cima”, com uma estrutura processual em duas velocidades.

Os indivíduos “perigosos” como presumivelmente culpados são tema do advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais dos Sem Terra – MST, Jacques Alfonsin. As “cortes”, argumenta, estão distantes do povo, seja pela linguagem hermética seja pelo cerimonial intimidatório, impondo respeito em função do temor. Os cidadãos pobres são submetidos à ideologia do “eles que esperem”.

“A morosidade é o principal desafio e a virtualização é o caminho da nova burocracia judicial sem a qual nada será possível no volume de demandas que hoje circulam no Poder Judiciário”, afirma Eliana Calmon Alves, ministra do Superior Tribunal de Justiça e corregedora nacional no Conselho Nacional de Justiça


Fonte Unisinos

sábado, 3 de dezembro de 2011

A Ordem e a desordem na educação escolar

A ordem é o ensino,

A desordem é a aprendizagem.

A ordem é o ensinar,

A desordem é o aprender.

A ordem é trabalhar com os alunos como se eles fossem um só.

A desordem é que eles são todos únicos, cada um é diferente, é trabalhar com cada um como se ele fosse único.

A ordem é o aluno e a turma

A desordem é a pessoa que mora em cada aluno.

A ordem é cada professor ensinar o mesmo, em qualquer local do país,

A desordem é que os professores são muito diferentes e que os alunos atingem resultados muito diferentes.

A ordem é cada escola ser a cópia da outra escola, cumprindo as mesmas normas nacionais,

A desordem é cada escola ser diferente.

A ordem são os rankings,

A desordem são as técnicas para alcançar os melhores lugares.

A ordem são as pautas penduradas,

A desordem são os abandonos escolares e os futuros comprometidos.

A ordem é todos aprenderem o devidamente ensinado,

A desordem é que muitos não aprendem nem querem mesmo aprender.

A ordem é agressiva, desrespeitadora da diferença.

A desordem é tanto a passividade como (de vez em quando) a violência.

A ordem não é o tudo

A desordem não é o nada, o caos.

A desordem é a vida, é assim, é mesmo uma grande desordem.

Porque educar é des-envolver, desfazer lentamente o novelo que cada um de nós é, des-envolver para poder vir a ser, a conhecer, a fazer, a viver com os outros.

A ordem são as margens

A desordem é rio, que por sinal é a vida que corre nas escolas, sempre diversa, sempre nova em cada ser que se des-enreda, que faz o seu próprio desenho, que se ergue perante o bem e o belo, que aprende a compreender as coisas, o mundo a vida, que agarra a herança cultural que lhe transmitem e re-cria a vida e cria novos possíveis.

Para esta desordem, só pode haver uma ordem:

A ética do cuidar,

Do cuidar de cada um como se fosse único e divino,

Do cuidar sustentado na crença de que cada ser humano aprende e aprende ao longo de toda a vida,

Assim saibamos nós cuidar de cada uma e de cada um,

Não deixando ninguém pelo caminho.


Joaquim Azevedo
http://www.joaquimazevedo.com/
8. Dezembro. 2004

Economia e gratuidade

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=47002

Só a gratuidade dá sentido à arte de viver humanamente.

A opinião é de Bernard Ginisty, em artigo publicado no sítio francês Garrigues et Sentiers, 28-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto:

Com o período de férias [de verão europeias] que está prestes a terminar, logo reencontraremos os ritmos de vida mais habituais. A sociedade da mercadoria manifesta claramente as suas convicções profundas. O jogo produção-consumo constitui o ritmo essencial. Não somente produção e consumo de coisas, mas visão de si mesmo como quantidade-mercadoria a ser gerenciada mediante planos de carreira ou, mais prosaicamente, com as esperas na fila dos centros de emprego.

Ao mesmo tempo, a nossa época conhece os tempos da especulação selvagem, em que uma única operação da bolsa pode permitir que se adquira patrimônios que uma vez precisavam do trabalho de vidas inteiras. O fascínio idolátrico pelo reino da mercadoria financeirizada ocultou qualquer outra relação com o tempo, já que – como repetimos – "time is money": "A racionalidade ocidental desdobrou uma economia segundo a qual o tempo deve ser produtivo, útil, rentável. Por isso, dar o próprio tempo, dispensá-lo ou perdê-lo, deixá-lo passar são as únicas maneiras de resistir hoje à economia geral do tempo" (1).

Esse trabalho indispensável de resistência e de invenção de novos paradigmas econômicos foi analisado particularmente por Elena Lasida no seu livro Le goût de l'autre. La crise, une chance pour réinventer le lien (O gosto do outro. A crise, uma oportunidade para reinventar o vínculo). Elena Lasida leciona economia solidária no Institut Catholique de Paris. De origem uruguaia, ela conheceu a emigração e as fronteiras: "A fronteira, a falta e a estrangeiridade – escreve ela – marcaram muito o meu olhar sobre a economia" (2).

Com muita inteligência, ela extrai dos textos bíblicos conceitos como a criação, a aliança, a promessa que esclarecem a economia a partir de uma nova luz e lhe dão novamente toda a sua riqueza existencial: "A economia é um lugar de vida, um lugar em que se aprende a viver, um lugar em que se constrói a própria vida pessoal com a dos outros. A economia (...) nos obriga permanentemente a definir as nossas finalidades e nos ensina a fazer escolhas" (3).

Essa reflexão a leva a repensar a economia não como a multiplicação dos bens de consumo, mas sim como a promoção em cada um de suas próprias capacidades criadoras: "É o fato de participar na criação dos bens, ao invés de beneficiar-se deles, que permite considerar uma vida como verdadeiramente humana. O sentido do desenvolvimento muda assim de objetivo: a melhoria da qualidade de vida não se reduz à capacidade de acesso aos bens, mas se define, ao contrário, pelo aumento da capacidade de cada um de ser criador" (4).

Ora, toda criação é sobretudo uma questão de relação consigo mesmo, com os outros, com o mundo, com a transcendência. Em poucas linhas muito densas, Elena Lasida subverte tranquilamente os dogmas econômicos: "A função da economia não seria, portanto, a de suprimir a falta, mas a de colocá-la em movimento. A sua finalidade não seria a de tornar as pessoas autossuficientes, mas sim interdependentes. O valor que ela cria não seria medido somente pelo uso ou pela troca dos bens, mas sobretudo pelo vínculo que essa circulação produz" (5).

Em 2003, Bernard Maris publicava um Antimanuel d’économie que dedicava assim: "Ao economista desconhecido morto pela guerra econômica, que, por toda a sua vida, explicou magnificamente, no dia seguinte, por que ele havia se equivocado no dia anterior, a todos aqueles, bem vivos, que saboreiam a palavra gratuidade" (6). É muito bom que os economistas nos lembrem que a gratuidade não está restrita a um parênteses de férias, mas sim que só ela dá sentido à arte de viver humanamente.

Notas:

1 – Sylviane Agacinski. Le passeur de temps. Modernité et nostalgie. Éditions du Seuil, 2000, p.12.

2 – Elena Lasida. Le goût de l’autre. La crise, une chance pour réinventer le lien. Éditions Albin Michel, 2011, p.27.

3 – Idem, p. 31-32.

4 – Idem, p. 59.

5 – Idem, p. 169.

6 – Bernard Mariss. Antimanuel d’économie. Éditions Bréal, 2003.


Para ler mais:

Comum, comunidade, comunismo: três palavras de um projeto em construção
O bem comum sob o viés franciscano: uma resposta à crise econômica?
Um breve genealogia dos ''bens comuns''
A moral do lucro
Ideias que podem salvar o capitalismo
Reciprocidade, fraternidade, justiça: uma revolução da concepção de economia. Entrevista especial com Stefano Zamagni

Por uma sociedade convivial. Entrevista com Alain Caillé
Convivialismo para mudar o mundo
Economia de comunhão: uma proposta de mudança econômica. Entrevista especial com Luigino Bruni
Eficiência e justiça não bastam para assegurar a felicidade'': o valor do dom na economia. Entrevista especial com Stefano Zamagni

Luigino Bruni - "A ferida do Outro"

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Uma nova categoria económica: a gratuidade

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Quinta, 04 Novembro 2010 11:05 .Na presença de mais de 200 pessoas, na sua grande maioria jovens empresários e estudantes, o professor italiano Luigino Bruni apresentou o seu livro "A ferida do Outro", animando o público português quando sublinhou que "um povo triste e desanimado não ajuda o desenvolvimento desse povo". A reciprocidade e as relações humanas, contrárias ao individualismo económico e social, contrariam este desânimo, tendo como meta a fraternidade, um dos três itens da Revolução francesa ainda não posto em prática nos dias de hoje.

Entre outras coisas, o autor afirmou que os técnicos europeus especializados nas várias áreas da tecnologia não deveriam estar nas melhores empresas ou nos hospitais da Europa, mas deveriam trabalhar nos países da África, pois "é ali que ainda hoje se morre com gripe".
Lançando a gratuidade como nova categoria e a comunhão como novo paradigma económico, Luigino Bruni desafiou as empresas para uma nova postura segundo a "cultura do dar", posta em prática pelas empresas de Economia de Comunhão, um projecto lançado por Chiara Lubich no Brasil, em 1991.
O seu livro "A ferida do outro", que já vai na 5ª edição em Itália, teve também em Portugal uma grande adesão, pois foram adquiridos em massa pelo público presente ontem, dia 6 de Novembro, no auditório da Universidade Católica em Lisboa.
Alguns dos professores presentes afirmaram que a transmissão destes valores deveria estar no currículo dos cursos de Economia das nossas faculdades, sejam elas públicas ou privadas.
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Tempo da implosão de mitos

Tempo da implosão de mitos ... e a gramática da sua reconstrução outra



Um pequeno excerto de um texto de Joaquim Azevedo. Num texto de implosão de mitos, imperativo é um ensaio sobre o que nos foi cegando.


O mito da necessidade: preciso de e de e de... A necessidade premente e constante, insaciável. Construimos uma gigantesca sociedade de consumo. Uma sociedade de “precisões” constantes e prementes, pois quanto menos se pensar melhor, desde que se consuma e alimente uma economia que se quer expandir a todo o custo, baseada apenas no lucro, tendo apenas como horizonte o lucro de quem empreende e investe. Elena Lasida e o seu “le goût de l’autre” e Luigino Bruni e a sua “ A ferida do outro”, são economistas que ajudam a pensar como este horizonte precisa e pode ser rompido.


O esgotamento dos recursos fica fora do horizonte de uma sociedade de necessidades e não de possibilidades e de escolhas conscientes. Mas, todos os dias precisamos de mais coisas e não nos perguntamos sobre o para que é que precisamos do que dizemos que precisamos. Cada dia mais escravos, cada dia à procura de consumir um pouco mais e um pouco mais longe, mais exótico, mais supostamente feliz. “Escravos felizes” é o que querem que sejamos, como diz....


E, no entanto, a Sabedoria está ao sair da porta, na soleira da nossa casa, à nossa espera para a levarmos, em cada dia. Como é que não nos exprimimos em termos de possibilidades e não em torno de necessidades e urgentes “precisões”? Possibilidades e “compossibilidades”, ou seja, possibilidades erguidas em comum, numa dado território e tempo. Não será por aí que se pode gerar outro modo de vida em comum, pelo “e porque não?”, pela compossibilidade?

Fonte http://terrear.blogspot.com/2011/11/tempo-da-implosao-de-mitos-e-gramatica.html

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Caso STJ ARI PARGENDLER versus MARCO PAULO DOS SANTOS

Segue despacho do Ministro CELSO DE MELLO no caso do estagiário que supostamente foi agredido pelo Ministro do STJ Ari Pargendler, onde foi determinado que os autos não devem correrem segredo de justiça. Segue, ainda, o link para acesso das informações processusais do andamento do feito no STF:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=3974915

DESPACHO: Cabe acentuar, desde logo, que nada deve justificar, em princípio, a tramitação, em regime de sigilo, de qualquer procedimento que tenha curso em juízo, pois, na matéria, deve prevalecer a cláusula da publicidade.

Não custa rememorar, tal como sempre tenho assinalado nesta Suprema Corte, que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.

Na realidade, a Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou preceitos básicos cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na expressiva lição de BOBBIO (“O Futuro da Democracia”, p. 86, 1986, Paz e Terra), como “um modelo ideal do governo público em público”.

A Assembléia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime político anterior.

Ao dessacralizar o segredo, a Assembléia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.

Isso significa, portanto, que somente em caráter excepcional os procedimentos penais poderão ser submetidos ao (impropriamente denominado) regime de sigilo (“rectius”: de publicidade restrita), não devendo tal medida converter-se, por isso mesmo, em prática processual ordinária, sob pena de deslegitimação dos atos a serem realizados no âmbito da causa penal.

É por tal razão que o Supremo Tribunal Federal tem conferido visibilidade a procedimentos penais originários em que figuram, como acusados ou como réus, os próprios membros do Poder Judiciário (como sucedeu, p. ex., no Inq 2.033/DF e no Inq 2.424/DF), pois os magistrados, também eles, como convém a uma República fundada em bases democráticas, não dispõem de privilégios nem possuem gama mais extensa de direitos e garantias que os outorgados, em sede de persecução penal, aos cidadãos em geral.

Essa orientação nada mais reflete senão a fidelidade desta Corte Suprema às premissas que dão consistência doutrinária, que imprimem significação ética e que conferem substância política ao princípio republicano, que se revela essencialmente incompatível com tratamentos diferenciados, fundados em ideações e práticas de poder que exaltam, sem razão e sem qualquer suporte constitucional legitimador, o privilégio pessoal e que desconsideram, por isso mesmo, um valor fundamental à própria configuração da idéia republicana que se orienta pelo vetor axiológico da igualdade.

Daí a afirmação incontestável de JOÃO BARBALHO (“Constituição Federal Brasileira”, p. 303/304, edição fac-similar, 1992, Brasília), que associa, à autoridade de seus comentários, a experiência de membro da primeira Assembléia Constituinte da República e, também, a de Senador da República e a de Ministro do Supremo Tribunal Federal:

“Não há, perante a lei republicana, grandes nem pequenos, senhores nem vassalos, patrícios nem plebeus, ricos nem pobres, fortes nem fracos, porque a todos irmana e nivela o direito (...).” (grifei)

Nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos da República. Nada deve justificar a outorga de tratamento seletivo que vise a dispensar determinados privilégios, ainda que de índole funcional, a certos agentes públicos.

Desse modo, e fiel à minha convicção no tema em referência (Inq 2.881/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), não vejo motivo para que estes autos tramitem em “segredo de justiça”, pois inexiste expectativa de privacidade naquelas situações em que o objeto do litígio penal – amplamente divulgado tanto em edições jornalísticas quanto em publicações veiculadas na “Internet” – já foi exposto de modo público e ostensivo.

Sendo assim, determino a reautuação deste procedimento penal, em ordem a que não continue a tramitar em regime de sigilo.

2. Consta, dos termos e documentos produzidos a fls. 03/07, que o ora requerido – que dispõe de prerrogativa de foro, “ratione muneris”, perante o Supremo Tribunal Federal, nos ilícitos penais comuns (CF, art. 102, “c”) – teria cometido, em tese, infração de menor potencial ofensivo.

Se configurado tal contexto, justificar-se-ão algumas considerações preliminares, notadamente aquelas pertinentes à aplicabilidade, ao caso, da Lei nº 9.099/95, tendo em vista o limite penal máximo a que se refere o art. 61 de mencionado diploma legislativo.

Impende destacar, sob tal perspectiva, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar questão de ordem suscitada no Inq 1.055/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO (RTJ 162/483-484), entendeu plenamente aplicáveis, aos procedimentos penais originários instaurados perante esta Corte, as medidas de despenalização previstas na Lei nº 9.099/95, em ordem a viabilizar a ampliação do espaço de consenso em sede penal, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal:

“PROCEDIMENTOS PENAIS ORIGINÁRIOS (INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS) INSTAURADOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CRIME DE LESÕES CORPORAIS LEVES E DE LESÕES CULPOSAS - APLICABILIDADE DA LEI N. 9.099/95 (ARTS. 88 E 91).

- A exigência legal de representação do ofendido nas hipóteses de crimes de lesões corporais leves e de lesões culposas reveste-se de caráter penalmente benéfico e torna conseqüentemente extensíveis, aos procedimentos penais originários instaurados perante o Supremo Tribunal Federal, os preceitos inscritos nos arts. 88 e 91 da Lei n. 9.099/95.

O âmbito de incidência das normas legais em referência - que consagram inequívoco programa estatal de despenalização, compatível com os fundamentos ético-jurídicos que informam os postulados do Direito penal mínimo, subjacentes à Lei n. 9.099/95 - ultrapassa os limites formais e orgânicos dos Juizados Especiais Criminais, projetando-se sobre procedimentos penais instaurados perante outros órgãos judiciários ou tribunais, eis que a ausência de representação do ofendido qualifica-se como causa extintiva da punibilidade, com conseqüente reflexo sobre a pretensão punitiva do Estado.”

(Inq 1.055-QO/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

É que, muito embora a Lei nº 9.099/95 regulamente os Juizados Especiais Cíveis e Criminais - que constituem órgãos judiciários situados no primeiro grau de jurisdição -, torna-se imperioso observar que as regras legais nela contidas aplicam-se, também, às ações penais originárias, inclusive àquelas ajuizáveis, nos termos do art. 102, I, “b” e “c” da Constituição da República, perante o Supremo Tribunal Federal. Esse, inclusive, é o entendimento, dentre outros, de DAMÁSIO E. DE JESUS (“Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada”, p. 86, 1995, Saraiva).

Essa mesma orientação doutrinária – que enfatiza a plena autonomia de determinados institutos, como os definidos em referida legislação, e que sustenta a possibilidade de sua aplicação também a causas instauradas fora do âmbito do próprio Juizado Especial Criminal - é igualmente perfilhada por LUIZ FLÁVIO GOMES (“Suspensão Condicional do Processo Penal”, 1995, RT).

É preciso ter presente que o estatuto disciplinador dos Juizados Especiais, mais do que simples regulamentação normativa desses órgãos judiciários de primeira instância, importou em expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca finalidade de forjar um novo modelo de Justiça criminal.

É por essa razão que o magistério doutrinário, ao enfatizar as premissas ideológicas que dão suporte às medidas despenalizadoras previstas na Lei n. 9.099/95, confere especial primazia aos institutos (a) da composição civil (art. 74, parágrafo único), (b) da transação penal (art. 76), (c) da representação nos delitos de lesões culposas ou dolosas de natureza leve (arts. 88 e 91) e (d) da suspensão condicional do processo (art. 89), cabendo enfatizar, quanto a estes institutos, que eles, na realidade, equivalem a um verdadeiro “nolo contendere”, “que consiste numa forma de defesa em que o acusado não contesta a imputação, mas não admite culpa nem proclama sua inocência” (ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, ANTONIO SCARANCE FERNANDO E LUIZ FLÁVIO GOMES, “Juizados Especiais Criminais”, p. 191, 1996, RT – grifei)

Na realidade, os institutos em questão - além de derivarem de típicas normas de caráter híbrido, pois se revestem de projeção eficacial tanto sobre o plano formal quanto sobre a esfera estritamente material, gerando, quanto a esta, conseqüências jurídicas que extinguem a própria punibilidade do agente - consagram, na perspectiva da nova filosofia que informa a Lei nº 9.099/95, soluções de índole consensual vocacionadas a permitir a pronta superação do litígio gerado pela prática da infração penal.

Torna-se relevante considerar, pois, na espécie, a circunstância de que a aplicação das regras contidas na Lei nº 9.099/95, nos casos de competência originária deste Supremo Tribunal Federal, traduz a concretização de um inequívoco programa estatal de despenalização, compatível, ao menos em seus aspectos essenciais, com o novo paradigma de Justiça Criminal que se busca construir no âmbito de nosso ordenamento positivo, notadamente se se considerarem os fundamentos jurídicos, sociais e éticos que dão suporte doutrinário aos postulados do Direito penal mínimo, subjacentes à formulação do mencionado diploma legislativo (LUIZ FLÁVIO GOMES, “Direito Penal Mínimo: lineamento das suas metas”, “in” Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, vol. 1, n. 5, p. 71, 1995, Ministério da Justiça).

Assentadas tais premissas, entendo relevante ouvir-se, previamente, o eminente Senhor Procurador-Geral da República sobre a exata adequação típica dos fatos narrados neste procedimento penal, devendo, ainda, pronunciar-se sobre a questão ora submetida ao exame desta Suprema Corte.

Publique-se.

Brasília, 16 de dezembro de 2010.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Microfísica do poder II - Foucault

Continuando a análise da obra Microfísica do poder, de Foucault, passamos à análise do contra-justiça e guerilha anti-judiciária. O que será exercer um contra-poder em relação à justiça? Qual é o poder real que se exerce em um tribunal popular?

Foucault entende por guerilha anti-judiciária as atitudes e tentativas de ridicularizar o tribunal, atitudes de afronta ao poder, tais como pedir satisfação ao juiz, e atitudes desordeiras e tentativas de furtar-se e escapar da polícia.

A contra-justiça, por outro lado, representa uma face mais perigosa e cruel, como o poder de exercer, com relação a uma pessoa passível de ser julgada e que habitualmente escapa da justiça, um ato de tipo judiciário. Isto é, apoderar-se de uma pessoa, fazê-lo comparecer perante um tribunal, fazer um juiz julga-lo referindo-se certas formas de equidade e condená-lo realmente a uma pena que seria obrigado a cumprir. Isto é tomar exatamente o lugar da justiça.

Vejamos o vídeo da emissora de TV Record, retratando o poder paralelo do crime organizado, que enquadra-se neste paradigma de contra-justiça desenvolvido por Foucault:




quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ensinar o que não se sabe...

Rubem Alves

"Meu querido Roland Barthes passou por experiência semelhante à minha. Também queria ser igual à cigarra. A sua aula inaugural como professor da cadeira de semiologia literária do Collège de France é um texto herético e escandaloso que só pode ser compreendido como palavras de um homem a quem a velhice havia concedido lucidez e coragem para dizer aquilo que via sob a luz do crepúsculo.
No final de sua aula, Barthes fala sobre sua vida, faz a sua confissão de velhice e diz sobre as metamorfoses que a luz crepuscular operara sobre a sua vida. Não há pessimismo no que ele diz. É como se fosse uma ressurreição — ficar jovem de novo.

“Portanto, se quero viver, devo esquecer que meu corpo é histórico, devo lançar-me na ilusão de que sou contemporâneo dos jovens corpos presentes, e não de meu próprio corpo, passado. Em síntese: periodicamente, devo renascer, fazer-me mais jovem do que sou. Com cinquenta e um anos, Michelet começava sua vita nuova: nova obra, novo amor. Mais idoso do que ele… eu também entro numa vita nuova… Empreendo, pois, o deixar-me levar pela força de toda força viva: o esquecimento. Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos.”
“Há uma idade em que se ensina o que se sabe”: esse é o início. Assim é: os professores começam por ensinar saberes. Ensinam primeiro os saberes sabidos, as coisas que, no transcorrer do tempo, foram aprendidas pelas gerações mais velhas, e que agora são transmitidas às gerações
mais novas, como se fossem ferramentas em uma caixa. O ensino dos saberes é a transmissão de uma herança, caixa de ferramentas. O professor, ao ensinar, está dizendo: “Eu estou lhe dando aquilo que sei”. Os saberes são transmitidos para que as novas gerações não tenham de estar começando sempre de novo, da estaca zero. Os velhos ensinam saberes para que os jovens possam começar a navegar a partir do porto aonde eles chegaram. O que, para os velhos, foi porto de chegada, será para os jovens porto de partida: para que possam ir além deles
mesmos.
“Mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe.”
Mas como é possível ensinar saberes que não sei? O navegador voltou de suas viagens trazendo
nas mãos os mapas que desenhara nos mares onde navegara. Mapas são metáforas do mundo dos saberes. São úteis. Neles encontramos as rotas a serem seguidas, caso se deseje. Chegam os alunos. Desejam aprender os mares do mundo. O professor mostra-lhes os seus mapas e fala sobre aquilo que sabe. Os alunos aprendem. Mas, de repente, um aluno inquieto aponta para um vazio indefinido, sem contornos, no mapa.
“— Qual é o nome daquele mar?” —, ele pergunta. O professor responde:
“— O nome daquele mar eu não sei.
Nunca fui lá. Não o naveguei. Não o conheço. Por isso, nada tenho a dizer. É mar desconhecido, por navegar. Mas, com o que sei sobre os outros mares, vou ensinar-lhe a aventurar-se por mares desconhecidos: essa é a aventura suprema. Para isso nascemos…”

“Ensinar o que não se sabe”: “A isso se chama pesquisar”, diz Barthes tranquilamente. Ensinar a pesquisar: essa é uma das grandes alegrias do professor, somente comparável à do pai que vê o filho partindo sozinho como pássaro jovem que, pela primeira vez, se lança sobre o vazio com suas próprias asas. O professor vê o discípulo partindo para o desconhecido, para voltar com os mapas que ele mesmo irá fazer, de um mar onde ninguém mais esteve. É isso que deve ser uma pesquisa e uma tese: uma aventura por um mar que ninguém mais conhece.

Barthes diz, então, algo surpreendente: chegara a sua hora suprema, a hora do esquecimento. Chegara o tempo de desaprender os saberes que havia aprendido. Posso imaginar o espanto que essa declaração deve ter provocado no erudito público académico presente na sua aula. Esquecer, desaprender: são o oposto daquilo que a educação tem proposto até agora. Educar é ensinar, somar saberes sobre fatos, acrescentar competências lógicas. Esquecer significa perder, abrir mão, deixar ir. E, na lógica banal da razão do cotidiano, esquecimento é sempre empobrecimento. Barthes aponta na direção oposta. Teria ficado senil? Quem responde é o poeta T. S. Eliot, num curtíssimo-cortante aforismo: “Num país de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece estar fugindo”.



FONTE: ALVES, Rubem. Livro Sem Fim. Porto: ASA, 2005. Pg.51 e seguintes.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Microfisica do Poder em Foucault - I

O poder para Foucault funciona e se exerce em rede, pois cada um de nós é, no fundo, detentor de um certo poder. O poder é exercício do poder, e não se identifica em uma única pessoa. Podemos identificar o homem como produto do poder e do saber.

Não existe algo unitário e global chamado poder, mas unicamente formas díspares, heterogêneas, em constante transformação. O poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e uma relação. Poder é luta, afrontamento, relação de força, situação estratégica. Não é um lugar, que se ocupa, nem um objeto, que se possui. o poder se exerce e se disputa.

O poder se exerce em níveis variados e em pontos diferentes da rede social e neste complexo interligado, os micro-poderes existem integrados ou não ao Estado.

Há uma microfísica do poder, paralelo ao instrumento estatal, mas que possui força motriz modificadora nas relações de poder existente em determinada sociedade.

O que Foucault chamou de microfísica do poder significa tanto um deslocamento do espaço da análise, quanto do nível em que esta se efetua. A idéia básica de Foucault é de mostrar que as relações de poder não se passam fundamentalmente nem ao nivel do direito, nem da violência; nem basicamente contratuais, nem unicamente repressivas. O poder é exercício produtor de individualidade, tendo como objeto o saber, observando-se que não há saber neutro, pois todo saber é político e ideológico, possuindo como sua gênese as relações de poder. Trata-se de uma petição de princípio: o poder gera o saber; o saber leva ao poder.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Filosofia é isso:

 “A filosofia se ocupa daqueles temas que a ninguém, a não ser a um filósofo, ocorreria estudar"

Samuel Alexander

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A Metafísica dos Pré-Socráticos

A metafísica busca o fundamento e razão do mundo além do mundo físico e permeia a questão do ser, em especial enfrentando a questão da existência, mediante o seguinte questionamento: Quem existe?

Responder que as coisas existem é muito natural e simples, acarretando um realismo natural, por ser demasiado evidente, porquanto se examinarmos atentamente, refletindo, concluiremos que nem tudo que aparenta ser, possui realmente uma existência.

Portanto, o primeiro esforço filosófico de cunho metafísico, realizado pelo homem foi obra dos Gregos, como instrumento de discernimento entre a existência real, como uma existência em si mesmo, e a existência fenomênica ou aparente.

Os Gregos exercitaram a reflexão racional, de forma metódica, buscando respostas para a questão do ser. Duas frentes de questionamento foram os problemas de “quem existe? ” e a conseqüente questão referente a “Qual é o ser em si ?”.

Estas questões levaram os filósofos gregos a refletirem sobre o problema do ser em si mesmo e do ser em outro, buscava-se delimitar a questão do princípio das coisas. Quatro elementos materiais, a saber: água, ar, terra e fogo foram considerados elementos fundacionais do ser.

Pitágoras (570-500 a.C), quebrando a tradição materialista, apoiou-se em algo não material, para esclarecer esta questão filosófica do princípio das coisas, como sendo o número, que para ele era o princípio ordenador da realidade natural. A diferença entre as coisas encontram-se na relação numérica.

Pitágoras foi o primeiro filosofo do ocidente a defender a teoria da metempsicose ou transmigração da alma de um corpo para outro, e até mesmo para os corpos de animais, num constante ciclo até a purificação da alma. A metempsicose jê era uma doutrina professada no oriente, que trata da futura recompensa ou castigo, mediante as ações humanas. Pitágoras foi o primeiro filosofo grego a tratar desta questão, como problema filosófico, sendo que posteriormente Platão retoma e assume esta questão como explicação místico-filosófica da anamnese.

Segundo palavras do próprio Pitágoras: “As almas não morrem jamais, mas sempre deixam uma morada para passar a outra. Eu mesmo me lembro de que na época da Guerra de Troia, fui Eufórbio, filho de Pantos e cai pela lança de Menelau. Todas as coisas mudam mas nada perece. Do mesmo modo que se gravam certas figuras na cera, esta se derrete e pode gravar outras tantas, assim é a alma, sempre a mesma, apresentando contudo formas diferentes. Portanto, se o amor ao próximo não estiver extinto em vossos corações, deveis abster-se de violar a vida daqueles que podem ser vossos próprios parentes.”

Pitágoras ensinava que a alma sobrevive ao corpo e que os sonhos são comunicação entre as almas dos mortos. Compreendemos que ainda não se tratava da reencarnação conforme a Doutrina Espírita, mas representava um olhar crítico e filosófico nesta importante questão da sobrevivência da alma.

Heráclito, por sua vez, declara a idéia do fluir da realidade, pois tudo está em constante mudança, não havendo nada estático. Ele desenvolveu o seguinte pensamento: “Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio, pois o rio não é o mesmo, e nós também não somos mais os mesmos.” O ato existencial é um perpétuo ato de incompletude e eterno fluir. Conseqüentemente, o ser se apresenta como um constante ser e não ser, o que é ambíguo e contraditório.

Parmênides estabelece o princípio lógico do pensamento, mediante o raciocínio de que “o ser é, o não ser não é.” Tal princípio foi uma resposta ao pensamento instável de Heráclito e seu eterno fluir das coisas. Ele defende o monismo, ou seja, a doutrina da existência de uma realidade única, em contraposição à idéia de mobilismo de Heráclito. Segundo Parmênides, nada pode surgir do nada. Nada pode se transformar em algo diferente do que já é.

Parmênides estabelece os primórdios do caráter lógico do “princípio da identidade” e de “não contradição”, estabelecendo critérios fundacionais do ser, caracterizando-o como: o ser é único; eterno; sem começo; imutável; incorruptível; infinito; indivisível e imóvel. Atualmente podemos substituir o predicado imóvel pelo predicado onipresente, que fornece a idéia de que o ser está presente em todos os pontos ao mesmo tempo.

Parmênides, antecipando-se à teoria do mundo das idéias de Platão, estabelece a “Teoria dos dois mundos”. Tal conclusão é oriunda da comparação dos atributos do ser com a aparência fenomênica das coisas do mundo sensível, que são mera instabilidade, conforme afirmara Heráclito. Portanto, concluímos que ele estabelece as bases do pensamento filosófico que separa o mundo inteligível e o mundo sensível. Ao afirmar esta realidade ele teve que negar as transformações da natureza, que todo mundo podia ver com seus próprios olhos. Ele buscava desvendar todas as formas de “ilusão dos sentidos”, com base na crença da razão humana, chamada racionalismo.

O mundo sensível é aquele em que interagimos com os nossos sentidos, sendo sua essência a instabilidade da matéria, caracterizando-se como ilusório. O mundo inteligível é o mundo do pensamento, do ser caracterizado como único, eterno, imutável, infinito e imóvel.

O mundo inteligível é algo que não vemos, não percebemos pelos sentidos, mas que podemos compreender logicamente, mediante o princípio da não contradição e do princípio da identidade.

Portanto, o pensamento filosófico a partir de Parmênides vincula-se a princípios importantes para a questão metafísica do ser e da existência, acarretando a hegemonia da razão como guia para a descoberta da verdade, porquanto ele estabelece racionalmente a idéia de dois mundos, o sensível e o inteligível, estabelecendo o princípio de identidade e da não contradição. Parmênides partindo da cosmologia, que tenta explicar o mundo por meio dos elementos da própria natureza, inaugurou a ontologia, como estudo do “ser”, originando, também, o início da Metafísica, ou seja, da busca do fundamento do mundo além do mundo físico.