sábado, 3 de dezembro de 2011

A Ordem e a desordem na educação escolar

A ordem é o ensino,

A desordem é a aprendizagem.

A ordem é o ensinar,

A desordem é o aprender.

A ordem é trabalhar com os alunos como se eles fossem um só.

A desordem é que eles são todos únicos, cada um é diferente, é trabalhar com cada um como se ele fosse único.

A ordem é o aluno e a turma

A desordem é a pessoa que mora em cada aluno.

A ordem é cada professor ensinar o mesmo, em qualquer local do país,

A desordem é que os professores são muito diferentes e que os alunos atingem resultados muito diferentes.

A ordem é cada escola ser a cópia da outra escola, cumprindo as mesmas normas nacionais,

A desordem é cada escola ser diferente.

A ordem são os rankings,

A desordem são as técnicas para alcançar os melhores lugares.

A ordem são as pautas penduradas,

A desordem são os abandonos escolares e os futuros comprometidos.

A ordem é todos aprenderem o devidamente ensinado,

A desordem é que muitos não aprendem nem querem mesmo aprender.

A ordem é agressiva, desrespeitadora da diferença.

A desordem é tanto a passividade como (de vez em quando) a violência.

A ordem não é o tudo

A desordem não é o nada, o caos.

A desordem é a vida, é assim, é mesmo uma grande desordem.

Porque educar é des-envolver, desfazer lentamente o novelo que cada um de nós é, des-envolver para poder vir a ser, a conhecer, a fazer, a viver com os outros.

A ordem são as margens

A desordem é rio, que por sinal é a vida que corre nas escolas, sempre diversa, sempre nova em cada ser que se des-enreda, que faz o seu próprio desenho, que se ergue perante o bem e o belo, que aprende a compreender as coisas, o mundo a vida, que agarra a herança cultural que lhe transmitem e re-cria a vida e cria novos possíveis.

Para esta desordem, só pode haver uma ordem:

A ética do cuidar,

Do cuidar de cada um como se fosse único e divino,

Do cuidar sustentado na crença de que cada ser humano aprende e aprende ao longo de toda a vida,

Assim saibamos nós cuidar de cada uma e de cada um,

Não deixando ninguém pelo caminho.


Joaquim Azevedo
http://www.joaquimazevedo.com/
8. Dezembro. 2004

Economia e gratuidade

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=47002

Só a gratuidade dá sentido à arte de viver humanamente.

A opinião é de Bernard Ginisty, em artigo publicado no sítio francês Garrigues et Sentiers, 28-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto:

Com o período de férias [de verão europeias] que está prestes a terminar, logo reencontraremos os ritmos de vida mais habituais. A sociedade da mercadoria manifesta claramente as suas convicções profundas. O jogo produção-consumo constitui o ritmo essencial. Não somente produção e consumo de coisas, mas visão de si mesmo como quantidade-mercadoria a ser gerenciada mediante planos de carreira ou, mais prosaicamente, com as esperas na fila dos centros de emprego.

Ao mesmo tempo, a nossa época conhece os tempos da especulação selvagem, em que uma única operação da bolsa pode permitir que se adquira patrimônios que uma vez precisavam do trabalho de vidas inteiras. O fascínio idolátrico pelo reino da mercadoria financeirizada ocultou qualquer outra relação com o tempo, já que – como repetimos – "time is money": "A racionalidade ocidental desdobrou uma economia segundo a qual o tempo deve ser produtivo, útil, rentável. Por isso, dar o próprio tempo, dispensá-lo ou perdê-lo, deixá-lo passar são as únicas maneiras de resistir hoje à economia geral do tempo" (1).

Esse trabalho indispensável de resistência e de invenção de novos paradigmas econômicos foi analisado particularmente por Elena Lasida no seu livro Le goût de l'autre. La crise, une chance pour réinventer le lien (O gosto do outro. A crise, uma oportunidade para reinventar o vínculo). Elena Lasida leciona economia solidária no Institut Catholique de Paris. De origem uruguaia, ela conheceu a emigração e as fronteiras: "A fronteira, a falta e a estrangeiridade – escreve ela – marcaram muito o meu olhar sobre a economia" (2).

Com muita inteligência, ela extrai dos textos bíblicos conceitos como a criação, a aliança, a promessa que esclarecem a economia a partir de uma nova luz e lhe dão novamente toda a sua riqueza existencial: "A economia é um lugar de vida, um lugar em que se aprende a viver, um lugar em que se constrói a própria vida pessoal com a dos outros. A economia (...) nos obriga permanentemente a definir as nossas finalidades e nos ensina a fazer escolhas" (3).

Essa reflexão a leva a repensar a economia não como a multiplicação dos bens de consumo, mas sim como a promoção em cada um de suas próprias capacidades criadoras: "É o fato de participar na criação dos bens, ao invés de beneficiar-se deles, que permite considerar uma vida como verdadeiramente humana. O sentido do desenvolvimento muda assim de objetivo: a melhoria da qualidade de vida não se reduz à capacidade de acesso aos bens, mas se define, ao contrário, pelo aumento da capacidade de cada um de ser criador" (4).

Ora, toda criação é sobretudo uma questão de relação consigo mesmo, com os outros, com o mundo, com a transcendência. Em poucas linhas muito densas, Elena Lasida subverte tranquilamente os dogmas econômicos: "A função da economia não seria, portanto, a de suprimir a falta, mas a de colocá-la em movimento. A sua finalidade não seria a de tornar as pessoas autossuficientes, mas sim interdependentes. O valor que ela cria não seria medido somente pelo uso ou pela troca dos bens, mas sobretudo pelo vínculo que essa circulação produz" (5).

Em 2003, Bernard Maris publicava um Antimanuel d’économie que dedicava assim: "Ao economista desconhecido morto pela guerra econômica, que, por toda a sua vida, explicou magnificamente, no dia seguinte, por que ele havia se equivocado no dia anterior, a todos aqueles, bem vivos, que saboreiam a palavra gratuidade" (6). É muito bom que os economistas nos lembrem que a gratuidade não está restrita a um parênteses de férias, mas sim que só ela dá sentido à arte de viver humanamente.

Notas:

1 – Sylviane Agacinski. Le passeur de temps. Modernité et nostalgie. Éditions du Seuil, 2000, p.12.

2 – Elena Lasida. Le goût de l’autre. La crise, une chance pour réinventer le lien. Éditions Albin Michel, 2011, p.27.

3 – Idem, p. 31-32.

4 – Idem, p. 59.

5 – Idem, p. 169.

6 – Bernard Mariss. Antimanuel d’économie. Éditions Bréal, 2003.


Para ler mais:

Comum, comunidade, comunismo: três palavras de um projeto em construção
O bem comum sob o viés franciscano: uma resposta à crise econômica?
Um breve genealogia dos ''bens comuns''
A moral do lucro
Ideias que podem salvar o capitalismo
Reciprocidade, fraternidade, justiça: uma revolução da concepção de economia. Entrevista especial com Stefano Zamagni

Por uma sociedade convivial. Entrevista com Alain Caillé
Convivialismo para mudar o mundo
Economia de comunhão: uma proposta de mudança econômica. Entrevista especial com Luigino Bruni
Eficiência e justiça não bastam para assegurar a felicidade'': o valor do dom na economia. Entrevista especial com Stefano Zamagni

Luigino Bruni - "A ferida do Outro"

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Uma nova categoria económica: a gratuidade

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Quinta, 04 Novembro 2010 11:05 .Na presença de mais de 200 pessoas, na sua grande maioria jovens empresários e estudantes, o professor italiano Luigino Bruni apresentou o seu livro "A ferida do Outro", animando o público português quando sublinhou que "um povo triste e desanimado não ajuda o desenvolvimento desse povo". A reciprocidade e as relações humanas, contrárias ao individualismo económico e social, contrariam este desânimo, tendo como meta a fraternidade, um dos três itens da Revolução francesa ainda não posto em prática nos dias de hoje.

Entre outras coisas, o autor afirmou que os técnicos europeus especializados nas várias áreas da tecnologia não deveriam estar nas melhores empresas ou nos hospitais da Europa, mas deveriam trabalhar nos países da África, pois "é ali que ainda hoje se morre com gripe".
Lançando a gratuidade como nova categoria e a comunhão como novo paradigma económico, Luigino Bruni desafiou as empresas para uma nova postura segundo a "cultura do dar", posta em prática pelas empresas de Economia de Comunhão, um projecto lançado por Chiara Lubich no Brasil, em 1991.
O seu livro "A ferida do outro", que já vai na 5ª edição em Itália, teve também em Portugal uma grande adesão, pois foram adquiridos em massa pelo público presente ontem, dia 6 de Novembro, no auditório da Universidade Católica em Lisboa.
Alguns dos professores presentes afirmaram que a transmissão destes valores deveria estar no currículo dos cursos de Economia das nossas faculdades, sejam elas públicas ou privadas.
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Tempo da implosão de mitos

Tempo da implosão de mitos ... e a gramática da sua reconstrução outra



Um pequeno excerto de um texto de Joaquim Azevedo. Num texto de implosão de mitos, imperativo é um ensaio sobre o que nos foi cegando.


O mito da necessidade: preciso de e de e de... A necessidade premente e constante, insaciável. Construimos uma gigantesca sociedade de consumo. Uma sociedade de “precisões” constantes e prementes, pois quanto menos se pensar melhor, desde que se consuma e alimente uma economia que se quer expandir a todo o custo, baseada apenas no lucro, tendo apenas como horizonte o lucro de quem empreende e investe. Elena Lasida e o seu “le goût de l’autre” e Luigino Bruni e a sua “ A ferida do outro”, são economistas que ajudam a pensar como este horizonte precisa e pode ser rompido.


O esgotamento dos recursos fica fora do horizonte de uma sociedade de necessidades e não de possibilidades e de escolhas conscientes. Mas, todos os dias precisamos de mais coisas e não nos perguntamos sobre o para que é que precisamos do que dizemos que precisamos. Cada dia mais escravos, cada dia à procura de consumir um pouco mais e um pouco mais longe, mais exótico, mais supostamente feliz. “Escravos felizes” é o que querem que sejamos, como diz....


E, no entanto, a Sabedoria está ao sair da porta, na soleira da nossa casa, à nossa espera para a levarmos, em cada dia. Como é que não nos exprimimos em termos de possibilidades e não em torno de necessidades e urgentes “precisões”? Possibilidades e “compossibilidades”, ou seja, possibilidades erguidas em comum, numa dado território e tempo. Não será por aí que se pode gerar outro modo de vida em comum, pelo “e porque não?”, pela compossibilidade?

Fonte http://terrear.blogspot.com/2011/11/tempo-da-implosao-de-mitos-e-gramatica.html