segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A GRAÇA DO PERDÃO

A GRAÇA DO PERDÃO
A graça do perdão não é forçada;
Desce dos céus como uma chuva fina
Sobre o solo: abençoada duplamente,
Abençoa a quem dá e a quem recebe;
É mais forte que a força: ela guarnece
O monarca melhor que uma coroa;
O cetro mostra a força temporal,
Atributo de orgulho e majestade,
Onde assenta o temor devido aos reis;
Mas o perdão supera essa imponência:
É um atributo que pertence a Deus,
E o terreno poder se faz divino,
Quando a piedade curva-se à justiça.
(SHAKESPEARE – O MERCADOR DE VENEZA)

O PERDÃO
O perdão humano é deveras difícil de ser concedido àqueles que nos prejudicam e magoam. Não devemos retribuir a injustiça por injustiça, nem fazer o mal a ninguém, independente do mal que tenhamos sofrido. A virtude de perdoar requer uma vontade firme de caminharmos rumo à renovação interior, buscando o homem novo que aguarda florescer em todos nós.
Somos impelidos pelo instinto a revidar qualquer ato de afronta ao nosso conceito de importância, respeitabilidade e imponência que acreditamos possuir. Nós acreditamos que somos merecedores de todas e quaisquer honrarias e manifestações de apreço. Entretanto, não agimos de forma tão cortês com o outro, quando somos prejudicados nos nossos mais simples atos e desejos pessoais, porquanto guardamos um alto conceito próprio, julgando a nossa imagem como a mais importante e que somos insubstituíveis nos ambientes que freqüentamos.
Grande ilusão. O egoísmo que nos envolve é a força que alimenta a nossa desdita imaginária frente a quem nos tenha ofendido. A Ofensa terá o tamanho e a importância que lhe concedermos.  O ódio e o rancor denotam uma alma sem elevação e sem grandeza; O esquecimento das ofensas é próprio da alma elevada, que está acima dos insultos que se lhe pode dirigir (E.S.E, p. 132)” . “O mérito do perdão é proporcional à gravidade do mal, não haveria nenhum (mérito) em relevar os erros de vossos irmãos, se eles não houvessem feito senão ofensas leves (E.S.E, p. 137).”
Shakespeare era um grande conhecedor da alma humana, de suas fraquezas e de seus males, e conhecia bem a força do perdão para a alma humana. Ele esclarece que “A graça do perdão não é forçada”, ou seja, deve vir de dentro da alma humana, como uma flor a desabrochar trazendo sua leveza e perfume a todos, igualitariamente.
“Abençoa a quem dá e a quem recebe.” Acreditamos que o maior beneficiado será aquele que conceder o perdão, pois retira de si toda causa de angústia e aflição que comprimiria sua alma, causando-lhe dor e sofrimento desnecessários.
“É mais forte que a força: ela guarnece o monarca melhor que uma coroa”. O perdão não retribui o uso da força com a força, como um atributo do orgulho ferido, Mas o perdão supera essa imponência, É um atributo que pertence a Deus”.  O perdão é uma força espiritual muito maior que qualquer força temporal e secular, com duração finita e limitada.
“E o terreno poder se faz divino, Quando, à piedade, curva-se à justiça.” Acreditamos que a Justiça Divina é responsável pela lei de causa e efeito, conduzindo-nos a receber conforme agirmos com o nosso próximo.  Nós somos responsáveis pelo mal que realizarmos, sendo que conforme a lei de causa e efeito, seremos causadores de nosso próprio infortúnio, se trilharmos o caminho da ofensa e do revide; ou, podemos nos libertar das amarras do ódio e do sofrimento, se concedermos “A GRAÇA DO PERDÃO”.
Finalizando, podemos afirmar que Shakespeare era uma alma que sem adentrar as visões e posicionamentos religiosos, pregava a doutrina do Homem Integral, que se encontra envolvido pela força do Kosmos.
1 – Kosmos: do grego antigo κόσμος, transl. kósmos, "ordem", "organização","beleza","harmonia") é um termo que designa o universo em seu conjunto, toda a estrutura universal em sua totalidade, desde o microcosmo ao macrocosmo. O cosmo é a totalidade de todas as coisas deste Universo ordenado, desde as estrelas, até as partículas subatômicas. Pode ser estudado na Cosmologia. O astrônomo Carl Sagan define o termo cosmos como sendo "tudo o que já foi, tudo o que é e tudo que será. (wikipedia)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

NIETZSCHE – INIMIGOS INTERIORES

(Adaptado da obra Humano, Demasiado Humano)
O Cristianismo prega que o homem é concebido e nascido no pecado. Portanto, o maior pecado do homem é ter nascido. Podemos compreender que para as religiões sectárias e pessimistas, o ato de procriação é considerado como mau em si mesmo, representando uma imoralidade a ser contida e combatida.
Durante muito tempo, teve-se como necessário que a sensualidade fosse declarada perniciosa e herética, sendo que o perigo da condenação eterna fosse tão estreitamente ligado à idéia da sensualidade que, muito provavelmente, durante muitos séculos os cristãos exerceram a sexualidade somente com muito remorso e com o fim precípuo de gerarem filhos.
Os pessimistas cristãos deturparam a natureza humana, associando ao elemento natural a idéia de inimigo interior. Criou-se uma guerra interna e uma constante alternância da vitória e da derrota. Para tanto, precisaram de um adversário, encontrando-o no inimigo interior, criando assim, na mente humana a idéia de pecado.
Empédocles, filósofo grego, não via nada de vergonhoso ou de diabólico nas coisas eróticas, pelo contrário, via em Afrodite a garantia que a discórdia não reinaria eternamente, mas que ela um dia iria entregar o cetro a uma divindade mais indulgente.
Entretanto, os pessimistas cristãos desejavam que outra opinião fosse dominante, povoando a solidão e o deserto espiritual da vida humana com um inimigo sempre vivo e universalmente conhecido, travando uma eterna luta e mantendo-se em constante penitência para combatê-lo e subjugá-lo, sempre sob as ordens da igreja.
Deve-se reconhecer como os homens se tornam piores por designarem como mau o que é inevitavelmente natural. Tal é o procedimento da igreja e dos metafísicos patrísticos que queriam que o homem se reconhecesse como mau e pecador por natureza, sendo necessárias forças sobrenaturais para livrá-lo do fardo do pecado. A intenção não era tornar o homem mais moral e redimido, mas que ele se sentisse o mais possível pecador, afim de que ele fosse mantido sob o domínio e julgo da Igreja.
Portanto, Nietzsche abriu os olhos do homem para visualizar o natural com um elemento simples e sem mistificação, retirando a idéia de pecado e de pessimismo de seu DNA genealógico. Deus, suprema bondade, que tudo criou para a harmonia humana, não fez da relação afetiva algo pecaminoso. A libertação de conceitos sectários e pessimistas plantados na mente humana, durante longos séculos, se faz necessária, visando à evolução plena do homem integral, voltado às verdades intangíveis da vida.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

SHAKESPEARE

ILUSÃO

"Ó ilusão, deixa em paz os meus sentidos!"

Shakespeare

( Noites de reis - Ato III, Cena IV : Viola)

O MITO E A FILOSOFIA

Por que tomamos o ilusório pelo real? Nas diversas divagações do meu ser, reconheço que a filosofia representa primordialmente a busca do saber, mais do que propriamente o saber adquirido em si mesmo. A Grécia é o berço do conhecimento racional, onde o conhecimento desvincula-se da religião e do mito. Pitágoras de Samos (582-497 A.C) foi o primeiro a utilizar-se do termo filósofo, mas com certeza não foi o primeiro filósofo. Podemos nomear também Tales, Anaximandro e Anaxímenes, considerados Pré-Socráticos, sendo que todos estes buscaram descobrir o princípio gerador do kosmos, que se trata da Arkhé, encontrável no mundo fenomênico, por isso estavam buscando a essência na Physis . O termo Kosmos (ordem, organização) se opõe ao termo Kaos (desordem e desorganização).
Quem é o responsável pela ordem do Cosmos? Quem controla a mundo fenomênico? Seria o controle realizado sob o comando de algo com sua essência na Physis? Os primeiros filósofos partiram do conhecido mundo físico para tentar explicar o princípio gerador do kosmos, que se trata da Arkhé. Os mitos e as respectivas narrativas mitológicas representam a forma fantástica que vigorava na época como instrumento de explicação do kosmos. As narrativas mitológicas são as primeiras experiências visando explicar o mundo, caracterizando-se como uma cosmologia insipiente, utilizando-se de critérios sobrenaturais (deuses, semideuses e heróis). Portanto, os mitos possuíam esse caráter explicativo, mas justapunha o real e o ilusório em um mesmo grau de importância explicativa da realidade. O mito representa a primeira tentativa de atribuir sentido ao mundo fenomênico.
Segundo Mondin (1982, p.11), o mito exerceu entre os povos antigos três funções principais: religiosa, social e filosófica. Primeiramente, o mito é o primeiro degrau no processo de compreensão dos sentimentos religiosos mais profundos do ser humano; é o protótipo da teologia. Mas, ao mesmo tempo, ele é também, aquilo que assinala e garante o pertencer a um grupo social e não a outro, pois pertencer a este ou àquele depende dos mitos particulares que alguém segue e cultiva. Finalmente, o mito exerce uma função semelhante à filosofia, enquanto representa o modo de autocompreender-se dos povos primitivos.
A filosofia surgiu como instrumento de racionalização e decantação do real e do ilusório, pois não mais se aceitava as narrativas mágicas como instrumento propulsor do saber. A filosofia busca a explicação raciocinada entre a causa e o efeito, contrapondo-se às explicações mágicas do mito. Portanto, Penso, logo existo.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

POEMA "AMOR É UM ARDER, QUE SE NÃO SENTE"

Paulino António Cabral (Amarante, 6 de Maio de 171920 de Novembro de 1789), melhor conhecido por Abade de Jazente, foi um poeta português. Estudou Direito Canónico em Coimbra a partir de 1735 e licenciou-se em 1741. Foi nomeado abade de Jazente em 1752. Além de religioso, escreveu poesias. É personagem do romance histórico Um motim de há cem anos, de Arnaldo Gama. (WIKIPÉDIA).

O poema "Amor é um arder, que se não sente" é muito parecido com algumas parte da música Monte Castelo, de Renato Russo. É ler e comparar. Renato incluiu a informação de que a letra da música possui recortes do Apostolo Paulo e de Camões. Creio que o Abade de Jazente copiou Camões na sua inspiração. É ler e deleitar-se:


Amor é um arder, que se não sente
(Abade de Jazente)

Amor é um arder, que se não sente;
É ferida, que dói, e não tem cura;
É febre, que no peito faz secura;
É mal, que as forças tira de repente.
É fogo, que consome ocultamente;
É dor, que mortifica a Criatura;
É ânsia a mais cruel, e a mais impura;
É frágoa, que devora o fogo ardente.
É um triste penar entre lamentos,
É um não acabar sempre penando;
É um andar metido em mil tormentos.
É suspiros lançar de quando, em quando;
É quem me causa eternos sentimentos:
É quem me mata, e vida me está dando

SONETO Nº 5
LUIS DE CAMÕES

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Monte Castelo - Legião Urbana
Composição: Renato Russo (recortes do Apóstolo Paulo e de Camões).
Ainda que eu falasse
A lígua dos homens
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.
É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal,
Não sente inveja ou se envaidece.
O amor é o fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria.
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder.
É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É um ter com quem nos mata a lealdade.
Tão contrário a si é o mesmo amor.
Estou acordado e todos dormem.
Todos dormem. Todos dormem.
Agora vejo em parte,
Mas então veremos face a face.
É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade.
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos,
Sem amor eu nada seria.

domingo, 2 de janeiro de 2011

O QUE É ISTO, A FILOSOFIA?

O QUE É ISTO, A FILOSOFIA?
Que representa a filosofia? É uma das raras possibilidades de existência criadora. Seu dever inicial é tornar as coisas mais refletidas, mais profundas”. (Heidegger, m)
Podemos considerar que a filosofia parte do prodigioso conhecimento existente, não sendo um saber acrescentado ao conhecimento já adquirido. A filosofia pensa a realidade presente, que engloba o ser-no-mundo e o estar-no-mundo.
A Filosofia representa a ratio humana consistente no ato consciente de estar no mundo, pois “ou se deve filosofar ou não se deve, mas para decidir não filosofar é ainda e sempre necessário filosofar. Assim, pois, em qualquer caso, filosofar é necessário. (Aristóteles, protréptico. fr.51).
A filosofia pressupõe algumas características essenciais ao ser pensante, que se manifestam na admiração, na angústia, no medo e na coragem.
A admiração é característica essencial ao filosofo que se espanta frente a cada fato da existência humana, pois nada lhe é natural e tudo possui um sentido. Descartes considerava a admiração uma paixão filosófica, aduzindo que “a admiração me parece a primeira de todas as paixões”. (passions de l’âme, II, 53)
O espanto é a mola propulsora da filosofia. O questionamento do mundo surge mediante o sentimento de admiração, espanto e estupefação diante da existência do ser-no-mundo, aguardando uma explicação do seu estar-ai.
O que é isto, a vida? O que é isto, o mundo? Admiração e espanto são instrumentos impulsionando à busca de uma interpretação do “kosmos filosófico, criando sentido, organização e ordem para um certo “Kaos” sem um porquê.
A angústia é o nada de Kierkgaard, “se perguntarmos qual é o objeto da angústia, deve-se responder aqui como em toda parte: é o nada. A angústia e o nada marcham juntos”(Kierkgaard). A angústia revela a possibilidade de ser e a ameaça do nada. A humanidade revela-se na angústia da impossibilidade possível de sua existência, defendida por Heidegger.
A angústia revela-se ao ser, que se encontra impotente frente ao medo da morte, gerando seres frágeis e inautênticos que fogem da realidade. A morte, por sua vez, desnuda a existência como possibilidade privilegiada de ser possível. A niilidade da angústia conduz a um projeto libertador, mediante a busca autêntica da existência do ser-no-mundo.
O medo se encontra materializado na timidez, no acanhamento, na ansiedade e na impotência de vencer o mundo e lança seus tentáculos em nosso ser, querendo fazer domínio em nós. Entretanto, a admiração, o espanto e a angústia filosófica impulsionam a alma humana a superar o medo, caminhando rumo ao seu epicentro, destruindo-lhe as bases frágeis. O medo é o sentimento de impossibilidade frente ao desconhecido, que somente as luzes da razão supera.
A coragem é um sim à realização do ser-no-mundo; é a existência da possibilidade mediante o esforço, trabalho e tentativa, impulsionando-nos para a criação do nosso devir. A condição humana no mundo exige coragem como força propulsora para a criação e modificação da realidade, domando a maior fraqueza humana, o medo de ser autêntico.