quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

"A beleza é a única forma inteligível que resplandece na sensibilidade." Platão

Este Diálogo dialético desconstrói o mito da idade média como ensinado pela cátedra brasileira, demonstrando toda a grandeza do trabalho de consolidação cultural desenvolvido pelos padres e monges católicos, no período da idade média, que não é estanque, mas dinâmica e concatenada em sua dinâmica criadora. 
Excelente PALESTRA em dois módulos!


<https://youtu.be/7ks7iga9anw>

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Estrela Perdida

Romance Espirita, não mediúnico, de Jaciara Roque, que está disponível para aquisição no site da Bookess Editora!

"O destino nos leva ao encontro de almas!”
"Nanci possuía um estranho dom, porquanto a premonição sempre esteve presente em sua vivência onírica. Seu destino parecia estar preso a Lúcius, pois ambos estavam intimamente vinculados por sentimentos de afeto, carinho e amor eterno. Entretanto, sonhos recorrentes perturbavam sua harmonia interior. Algo lhe despertava reminiscências de um tempo que não era o presente. Seu destino estava traçado, no caminho das estrelas. "

terça-feira, 21 de junho de 2016

4 Breves Reflexões Para Auxiliar A Compreender Os Pensamentos De Nietzsche


   
Apesar de ter morrido em 1900, os pensamentos do filósofo Friedrich Nietzsche se mostram tão atuais e úteis para compreendermos a humanidade de hoje quanto os memes da internet. Escrever seu nome sem a ajuda do Google e pronunciá-lo da forma correta (que é Níti, com ênfase no primeiro “i”) pode ser uma aventura. Mas suas ideias estão tão enraizadas na sociedade que, às vezes, sequer percebemos que estamos filosofando — se você já cantou “whatdoesn’t kill you makes you stronger” (“o que não te mata te fortalece”), da Kelly Clarkson, você já conhece, pelo menos, uma ideia do filósofo. Conheça um pouco das outras:

O conceito do Super Homem

É tentador relacionar o Super Homem(“übermensch”) de Nietzsche com o Super Homem da DC. Mas, apesar de Henry Cavill responder a todos os quesitos estéticos da sociedade moderna, ele não tem nada a ver com as ideias nietzschianas. Segundo o filósofo especialista em Nietzsche Oswaldo Giacóia, da USP, o Super Homem (ou Além do Homem) poderia ser representado por aquele que encarara a vida sem as muletas que o homem usou até hoje para poder suportar a existência, como a religião ou a moral, por exemplo. Segundo Nietzsche, estas muletas seriam uma negação da morte. Seria por causa dessa negação que as pessoas acreditariam em falsas promessas como o paraíso, por exemplo. Portanto, o Super Homem seria um ser superior, uma ideia melhorada de nós mesmos: não na força, mas no psicológico.

Se você achou essa ideia de “ser superior” um pouco nazista, saiba que Hitler também. Durante muito tempo, as ideias do filósofo foram usadas como justificativa para os horrores da Segunda Guerra Mundial. Grande parte por conta da má interpretação de alguns estudiosos.

O Eterno Retorno

Não é raro levantar cedo para ir ao trabalho, encostar a cabeça no vidro do ônibus e pensar: “Que m… eu estou fazendo com a minha vida?”.  E se você tivesse seguido o sonho de abrir um bar na praia em vez de estar sendo sugado por uma empresa que nem te paga tão bem assim? Você realmente está aproveitando a existência na Terra ou só está vendo-a passar através da janela?

Na obra A Gaia Ciência, Nietzsche nos presenteia com um exercício mental intrigante: “E se um dia um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: ‘Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nada de novo, cada dor e cada prazer (…) há de retornar (…). Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que que lhe responderias: ‘Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!’”. A forma como você reagiria à proposta do demônio diz muito sobre o modo como você leva a vida e faz questionar (muito) sobre o rumo que dá a ela e como toma suas decisões.

Deus está morto

Nietzsche não gostava muito da igreja católica. A afirmação que fez na obra O Anticristo, de que “Deus está morto”, causa mini infartos nos cristãos até hoje. A principal ideia que o filósofo atacava era a da moral cristã. Para ele, os cristãos não são bons (ou tentam ser) porque se preocupam com o próximo, são bons porque têm medo de queimar no inferno. Não é uma bondade genuína. Segundo ele, é nesse medo da punição em que se baseia toda a fé cristã. Por isso, ele propôs uma ideia de ética que dependia simplesmente da própria pessoa — que não deveria acreditar em recompensas além da vida ou em deuses que o tratassem como gado. Ou seja, a pessoa seria boa simplesmente porque assim ela se sentiria bem consigo mesma e não porque uma entidade superior e vingativa puxaria seu pé à noi

Ele não via sentido em negar o sexo, o corpo e o amor. O filósofo se perguntava: “Que validade tem, afinal de contas, ser cristão se este vive ameaçado pela terrível punição de ser excluído da presença de Deus se não se comportar ‘bem’?”. Isso sem falar na noção de culpa que vem de brinde. Por isso, Nietzsche defendia o fim da moral cristã, atacando sua principal incentivadora: a Igreja. Mas, diferente de Marx, por exemplo, ele não achava que seria preciso uma revolução para isso. Mas, sim, um questionamento individual que faria cada um perceber que ser cristão era entregar sua vida a uma ilusão sem sentido.

Niilismo de Nietzsche

(Muito) basicamente, o niilismo é a descrença total nos valores impostos pela sociedade. Para os niilistas, a vida não deve ser regida por nenhum tipo de padrão que nos foi ensinado pela escola, pelos pais ou assistindo à TV Cultura. Deus? Não acredito. Pecado? Não acredito. Lady Gaga como a nova Madonna? Faça-me o favor… Não é a toa que Nietzsche era um verdadeiro hater da moral cristã. E o que acontece quando se deixa de acreditar no sentido das coisas? A pessoa cai no vazio absoluto. Restaria apenas esperar pela morte. Mas Niezsche não acreditava nisso como saída, para ele, quando se mata Deus, a pessoa se torna responsável por criar suas próprias regras, usando o conceito de Eterno Retorno como guia.

FONTEVia
Portal Raízes
Raízes Jornalismo Cultural - Portal, Revista Impressa e Programa de Televisão

segunda-feira, 9 de maio de 2016

O QUE É ISSO, A FÉ?

A subjetividade humana desperta no ser um sentimento de incompletude, fazendo com que o humano caminhe sempre em busca de um sentido para sua experiência física. Nessa busca incessante, depara-se com o dilema "quem sou, de onde vim e para onde vou?".
O homem compreende que não possui as respostas necessárias para acalmar suas inquietações, mas se reconhece incapaz e impotente diante da imensidão do universo, agora acrescido pela ideia de "universos paralelos", para além do tal "buraco negro". 
Algo exterior ao homem deve possuir as respostas adequadas, a quem aí a que o homem só penetra mediante o pensamento, materializado em um sentimento de Fé, que lhe demonstra que as leis físicas e universais possuem um "que" de razoabilidade, plausibilidade e ordem, diante de um aparente caos!
O ser humano não está só, porquanto representa apenas uma das formas de vida existentes dentro de milhões, que estão em um planetinha de um sistema solar de uma galáxia, em um universo, que faz companhia a vários outros "universos paralelos". 
Somente a Fé apresenta-se palpável diante de tanta abstração!
Texto: Cristiano Candido

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Teu Destino

"Teu destino está constantemente sobre teu controle. Tu escolhes, recolhes, eleges, atrais, buscas, expulsas, modificas tudo aquilo que te rodeia a existência!"

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Pascal Bruckner: "A sociedade da felicidade vira também a do desespero e da angústia"


Frustrações da contemporaneidade, a felicidade como meta, o fracasso do casamento. Temas que fazem parte do cotidiano da escrita de Pascal Bruckner. Ele, que faz parte da geração de “Novos Filósofos" da França, coloca em xeque o amor perfeito e a política nesta entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo

Na autobiografia que o senhor lançou há pouco na França, Un Bon Fils (um bom filho), seu pai surge como um homem ultraviolento e antissemita convicto. Sua escolha da filosofia como carreira tem a ver com esse histórico familiar?
Pascal Bruckner: Certamente, mas a um ponto que não consigo determinar com precisão. Acho que o elo entre esse pai nostálgico do Terceiro Reich e a minha carreira é o desejo de compreender por que abraçamos ideologias assim, por que somos insensíveis à refutação delas e ao remorso. Há uma ligação, mas indireta.

E por que esperou a morte de seu pai para publicar o livro?
Pascal Bruckner: Era necessário. Teria sido violento demais para ele. Não tinha vontade de magoá-lo. Era algo incômodo para mim. É como um segredo que todo mundo conhece, mas do qual ninguém quer ouvir falar. Mesmo que eu tenha dito a ele que não concordava com seu ódios aos judeus e que um dia escreveria sobre o assunto, tratava-se de um homem doente, cansado... e era meu pai.

Detestei o meu país por muito tempo. Só fui tomar vinho, por exemplo, aos 40 anos. Era uma maneira de manter distância das minhas origens e do meio em que havia vivido. Para mim, a França era uma pequena província em que sufocávamos em convenções, na hipocrisia e na mentira. Precisei sair daqui, morar dois anos nos EUA, para me reconciliar com ela.

Em Fracassou O Casamento por Amor?, o senhor diz que a expectativa atual do amor perfeito mina as relações conjugais tanto quanto, no passado, matrimônios arranjados solapavam sentimentos. Ainda se idealiza tanto o amor?
Pascal Bruckner: Vivemos uma mistura de romantismo agudo e consumismo sexual exacerbado, uma era em que amamos a ideia do amor acima de tudo. Cobra-se que a mulher seja uma amante ensandecida mas também exemplar mãe de família, profissional bem-sucedida, culta, sadia. E o homem deve ser igualmente um virtuose do sexo, bom no trabalho, pai amoroso, sujeito engraçado. É óbvio que isso conduz a um esgotamento, porque o amor é submetido ao regime da performance.

Esse amor do amor faz com que abandonemos uns aos outros assim que advém qualquer decepção. Esquece-se que amar é aceitar as fraquezas do outro e as nossas próprias, construir algo ao longo do tempo, à base de falhas, oscilações, mudanças de intensidade do sentimento. Pode-se desejar menos o outro sem querer deixar de ficar junto, porque a ternura leva a melhor sobre a exigência passional. Submetemos nosso amor ao imperativo do absoluto, um deus implacável. Isso é desumano.

Mas o sentimento e a libido são necessariamente irreconciliáveis a partir de certo ponto da relação?
Pascal Bruckner: Não. O problema é que a sexualidade virou uma espécie de medida da intensidade da relação. As pessoas se forçam a fazer amor, buscam todas as combinações possíveis para despertar o desejo. O terror é o da extinção das paixões, da frigidez, de não alcançar a ereção. As revistas femininas a cada semana trazem novas receitas para reacender a libido. O sucesso da estupidez que é "Cinquenta Tons de Cinza" é um sintoma disso. Liberamos Eros, mas agora nos damos conta com horror de que, ao extinguir os interditos, talvez tenhamos liquidado também o prazer. Sem tabus, não há mais perigo. Passamos do medo das paixões ao temor de vê-las morrer.

Contra essa expectativa irreal, o senhor faz no livro um apelo à trivialidade no amor. Não é da natureza humana aspirar ao tal absoluto de que o senhor falava há pouco?
Pascal Bruckner: Sou partidário dos "arranjos à francesa", como definidos por Bertrand Russell [filósofo britânico, 1872-1970] em 1926. Ele dizia que os franceses tinham encontrado a sabedoria conjugal: grande liberdade do homem e da mulher em suas aventuras amorosas, sem desmantelar a família. Cada um leva sua vida, e o casal se mantém em torno do essencial: a estima, a ternura e o prazer de estar junto. É uma solução oposta à americana, em que o casamento deve ser fundado na honestidade, na fidelidade. É preciso incluir na discussão amorosa uma certa fraqueza dos cônjuges diante das tentações. É a via latina do desejo: o ser humano é imperfeito, tende a mentir, a ceder a prazeres momentâneos, mas não se trata de crime irremediável.

EA Euforia Perpétua, o senhor afirma que a promessa de felicidade terrena inaugurada pelo Iluminismo foi deturpada nos anos 1960. Por quê?

Pascal Bruckner: A felicidade virou não mais um direito, mas um dever. Os anos 1960 e sua revolução individualista estenderam as regras de mercado a setores até então impermeáveis a elas: a intimidade, a sexualidade, a espiritualidade, o bem-estar. Essa incitação à felicidade nos fez seres extremamente ansiosos. Temos medo de não estar à altura dos ideais que fixamos para nós. A sociedade da felicidade vira também a do desespero e da angústia.

Deveríamos então nos contentar com pequenos prazeres e alegrias efêmeras, como o senhor diz no livro?
Pascal Bruckner: É preciso fazer com que as pessoas se sintam menos culpadas por não serem felizes o tempo todo. Para substituir essa obrigação, proponho o reinado da paixão. Felicidade, como dizia Charles Fourier [filósofo francês, 1772-1837], é ter várias paixões e diversos meios para saciá-las. A felicidade é da ordem da graça, e não da do trabalho. Essa incompreensão é a base da neurose americana. Nesse sentido, se há uma sabedoria europeia, ela reside justamente no ceticismo, no entendimento dos limites do homem, o que não impede que se viva uma cultura de prazeres.

Fonte: http://www.fronteiras.com/entrevistas/pascal-bruckner-a-sociedade-da-felicidade-vira-tambem-a-do-desespero-e-da-angustia

domingo, 17 de agosto de 2014

O que é o Iluminismo? Michel Foucault.*

Parece-me que este texto faz aparecer um novo tipo de questão no campo da reflexão filosófica. Claramente, este não é certamente nem o primeiro texto na história da filosofia, nem mesmo o único texto de Kant que tematiza uma questão que diz respeito à história. Encontra-se em Kant textos que colocam à história uma questão de origem: o texto mesmo sobre os inícios da história, o texto sobre a definição do conceito de raça; outros textos colocam à história a questão de sua forma de realização: assim, neste mesmo ano de 1784, A idéia de uma história universal desde o ponto de vista cosmopolita[i]. Em outros, por fim, se interroga sobre a finalidade interna organizando os processos históricos, assim como no texto dedicado ao emprego de princípios teleológicos. Todas estas questões, aliás estreitamente ligadas, atravessam, com efeito, as análises de Kant a propósito da história. Parece-me que o texto de Kant sobre a Aufklärung é um texto bastante diferente. Ele não coloca diretamente, e em todo caso, nenhuma destas questões, nem a da origem nem, apesar das aparências, a da realização; ele coloca, de uma maneira relativamente discreta, quase lateral, a questão da teleologia imanente ao processo mesmo da história.

A questão que parece surgir pela primeira vez neste texto de Kant, é a questão do presente, a questão da atualidade: o que é que acontece hoje? O que acontece agora? E o que é esse “agora” no interior do qual estamos, uns e outros, e que define o momento onde escrevo? Esta não é a primeira vez que se encontra, na reflexão filosófica, referências ao presente, pelo menos como situação histórica determinada e que pode ter valor para a reflexão filosófica. Apesar de tudo, quando Descartes, no início do Discurso do Método, conta seu próprio itinerário e o conjunto de decisões filosóficas tomadas ao mesmo tempo para si e para a filosofia, ele se refere antes a uma maneira explícita, a algo que poderia ser considerado como uma situação histórica na ordem do conhecimento e das ciências de sua própria época. Mas neste gênero de referências, tratase de encontrar, nesta configuração designada como presente, um motivo para uma decisão filosófica; em Descartes, não encontramos uma questão que seria da ordem: “O que é precisamente este presente ao qual pertenço?”. Ora, me parece que a questão à qual Kant responde, aliás, àquela que ele é obrigado a responder, posto que lhe foi colocada, esta questão é outra. Esta não é simplesmente: o que é que, na situação atual, pode determinar tal ou qual decisão de ordem filosófica? A questão centrase sobre o que é este presente, centrase sobre a determinação de um certo elemento do presente que se trata de reconhecer, de distinguir, de decifrar no meio de todos os outros. O que é que, no presente, faz sentido para uma reflexão filosófica.

Na resposta que Kant tenta dar a essa interrogação, ele pretende mostrar de que forma esse elemento tornase o portador e o signo de um processo que concerne ao pensamento, o conhecimento, a filosofia; mas tratase de mostrar em que e como aquele que fala enquanto pensador, enquanto cientista, enquanto filósofo, ele mesmo faz parte desse processo e (mais que isso) como ele tem um certo papel a desempenhar neste processo, no qual ele então se encontra, ao mesmo tempo, como elemento e ator.

Em resumo, parece-me que se viu aparecer no texto de Kant a questão do presente como acontecimento filosófico ao qual pertence o filósofo que fala. Se se considera a filosofia como uma forma de prática discursiva que tem sua própria história, parece-me que com esse texto sobre a Aufklärung, vêse a filosofia – e penso que não forço as coisas demais ao dizer que é a primeira vez – problematizar sua própria atualidade discursiva: atualidade que ela interroga como acontecimento, como um acontecimento do qual ela deve dizer o sentido, o valor, a singularidade filosófica e no qual ela tem que encontrar ao mesmo tempo sua própria razão de ser e o fundamento daquilo que ela diz. Deste modo, vêse que, para o filósofo, colocar a questão de seu pertencimento a este presente, não será de forma alguma a questão de sua filiação a uma doutrina ou a uma tradição; não será mais simplesmente a questão de seu pertencimento a uma comunidade humana em geral, mas o seu pertencimento ao um certo “nós”, a um nós que se relacione com um conjunto cultural característico de sua própria atualidade.

É este nós que está a caminho de tornarse para o filósofo o objeto de sua própria reflexão; e por isso mesmo se afirma a impossibilidade de fazer a economia da interrogação para o filósofo acerca de seu pertencimento singular a esse nós. Tudo isso, a filosofia como problematização de uma atualidade e como interrogação para o filósofo dessa atualidade da qual faz parte e em relação à qual tem que se situar, poderia caracterizar a filosofia como discurso da modernidade e sobre a modernidade.

Qual é esta minha atualidade? Qual é o sentido desta atualidade? E o que faço quando falo desta atualidade? É nisso que consiste, me parece, essa nova interrogação sobre a modernidade.

Isto não é nada mais que uma pista que convém explorar com um pouco mais de precisão. Seria necessário tentar fazer a genealogia, não tanto da noção de modernidade, mas da modernidade como questão. E, em todo caso, mesmo se tomo o texto de Kant como ponto de emergência desta questão, é claro que faz parte de um processo histórico muito amplo do qual seria preciso conhecer as medidas. Seria, sem dúvida, um eixo interessante para o estudo do séc. XVIII em geral e mais particularmente da Aufklärung, que se interroga sobre o seguinte fato: a Aufklärung chama a si mesma de Aufklärung; ela é um processo cultural sem dúvida muito singular que sendo consciente de si mesmo, nomeandose, situandose em relação do seu passado e em relação com seu futuro e designando as operações que devia efetuar no interior de seu próprio presente.

Apesar de tudo, a Aufklärung não é a primeira época que se nomeia a si mesma em lugar de simplesmente se caracterizar, segundo um velho hábito, como período de decadência ou de prosperidade, de esplendor ou miséria, se nomeia através de certo evento marcado em uma história geral do pensamento, da razão e do saber, e no interior da qual ela tem que desempenhar o seu próprio papel?

A Aufklärung é uma época, uma época que formula ela mesma seu lema, seu preceito e que diz o que se tem de fazer, tanto em relação à história geral do pensamento, quanto em relação a seu presente e às formas de conhecimento, de saber, de ignorância e de ilusão nas quais ela sabe reconhecer sua situação histórica.

Parece-me que nesta questão da Aufklärung vê-se uma das primeiras manifestações de uma certa maneira de filosofar que teve uma longa história desde dois séculos. Uma das grandes funções da filosofia dita “moderna” (esta que se pode situar o início no finalzinho do século XVIII) é de se interrogar sobre sua própria atualidade.

Poderíamos seguir a trajetória desta modalidade da filosofia através do século XIX até os dias de hoje. A única coisa que eu gostaria de frisar neste momento é que esta questão tratada por Kant em 1784 para responder uma questão que lhe foi colocada desde fora, Kant não a esqueceu. Ele vai colocála novamente e tentar respondêla em relação a um outro acontecimento que também não deixou de interrogarse. Este acontecimento, claramente, é a Revolução Francesa.

Em 1798, Kant de alguma forma dá uma seqüência ao texto de 1784. Em 1784, ele tentava responder à questão que se colocava: “O que é esta Aufklärung da qual fazemos parte?” e em 1798 ele reponde a uma questão que a atualidade lhe colocava mas que fora formulada desde 1794 por toda a discussão filosófica na Alemanha. Esta questão era: “O que é a revolução?”

Vocês sabem que O conflito das faculdades[ii] é uma coletânea de três dissertações sobre as relações entre as diferentes faculdades que constituem a Universidade. A segunda dissertação diz respeito ao conflito entre a faculdade de filosofia e a faculdade de direito. Toda a área das relações entre filosofia e direito se ocupa da questão: “Existe um progresso constante no gênero humano?” E é para responder a esta questão que Kant, no parágrafo V dessa dissertação, desenvolve o seguinte raciocínio: Se se quer responder à questão “Existe um progresso constante no gênero humano?” é necessário determinar se existe uma causa possível desse progresso, mas, uma vez estabelecida essa possibilidade, é preciso mostrar que essa causa atua efetivamente e, para isto, realçar um certo acontecimento que mostre que a causa atua realmente. Em suma, a citação de uma causa não pode nunca determinar os efeitos possíveis, ou mais exatamente a possibilidade do efeito, mas a realidade de um efeito apenas pode ser estabelecida pela existência de um acontecimento.

Não é suficiente que se siga a trama teleológica que torna possível o progresso, é preciso isolar, no interior da história, um acontecimento que tenha valor de signo.

Signo de que? Signo da existência de uma causa, de uma causa permanente, que ao longo de toda a história guiaram os homens pela via do progresso. Causa constante da qual se deve então mostrar que agiu outras vezes, que atua no presente e que atuará posteriormente. O acontecimento, em conseqüência, que nos permite decidir se há progresso, será um signo “rememorativum, demostrativum, pronosticum”. É preciso que este seja um signo que mostra que isso tem sido sempre como é (é o signo rememorativo), um signo que mostre que as coisas atualmente se passam assim também (é o demonstrativo), que enfim mostre que as coisas permanecerão assim (signo prognóstico). E é assim que poderemos estar seguros de que a causa que torna possível o progresso não atua apenas em um momento dado, mas que ela garante uma tendência geral do gênero humano em sua totalidade em marchar no sentido do progresso. Eis ai a questão: “Existe em nosso redor um acontecimento que seja rememorativo, demonstrativo e prognóstico de um progresso que permita levar o gênero humano em sua totalidade?”

A resposta dada por Kant, vocês podem adivinhar; mas eu gostaria de ler a passagem pela qual ele introduz a Revolução como acontecimento que tem esse valor de signo. “Não espereis, escreve ele no início do parágrafo VI, que este evento consista em altos gestos ou delitos importantes cometidos pelos homens, em razão de que o que era grande se torna pequeno ou o que era pequeno se torna grande, nem em antigos e brilhantes edifícios que desaparecem como que por magia enquanto que em seu lugar surgem outros como que saídos das profundezas da terra. Não se trata de nada disto”.

Neste texto, Kant faz, evidentemente, alusão às reflexões tradicionais que buscam as provas do progresso e do não progresso na espécie humana na queda dos impérios, nas grandes catástrofes em meio dos quais Estados estabelecidos desaparecem, nos reveses das fortunas que diminuem as posses e que fazem aparecer novas. Prestem atenção, diz Kant a seus leitores, não é nos grandes acontecimentos que devemos buscar o signo rememorativo, demonstrativo e prognóstico do progresso; é nos acontecimentos bem menos grandiosos, bem menos perceptíveis. Não se pode fazer essa análise do presente no que diz respeito a esses valores significativos sem nos entregar a um cálculo que permita dar a isso que, aparentemente, é sem significação e valor, a significação e o valor que buscamos. O que é esse acontecimento que não é, então, um “grande” acontecimento? Há evidentemente um paradoxo em dizer que a revolução não é um acontecimento ruidoso. Não é o exemplo mesmo de um acontecimento que inverte, que faz que o que era grande se torne pequeno e o que era pequeno se torne grande, e que devora as estruturas que pareciam as mais sólidas da sociedade e dos Estados? Acontece que para Kant, não é esse aspecto da revolução que faz sentido. O que constitui no acontecimento um valor rememorativo, demonstrativo e prognóstico não é o drama revolucionário por si, as façanhas revolucionárias nem os gestos que os acompanham. O que é significativo é a maneira pela qual a revolução se faz espetáculo, é a maneira pela qual ela é acolhida em torno dos espectadores que não participam, mas que olham, que assistem e que, ou bem ou mal, se deixam arrastar por ele. Não é o transtorno revolucionário que constitui a prova do progresso; em primeiro lugar, sem dúvida, porque a revolução não faz mais que inverter as coisas e também porque se se tivesse de refazer esta revolução, não se a refaria. Há, neste sentido, um texto extremamente interessante: “Pouco importa, disse ele, se a revolução de um povo cheio de espírito, como a que vimos perto de nossos dias [tratase da Revolução Francesa], pouco importa se ela triunfa ou fracassa, pouco importa se ela acumula miséria e atrocidade até um ponto tal onde um homem sensato que a refaria com a esperança de ter êxito não resolveria nunca, entretanto, tentar a experiência a esse preço”. Não é então o processo revolucionário que é importante, pouco importa se triunfa ou fracassa, isso não tem a ver com o progresso, ou pelo menos com o signo de progresso que nós procuramos. O fracasso ou triunfo da revolução não são signos do progresso ou signo que tem progresso. Mas ainda que houvesse a possibilidade de alguém conhecer a revolução, de saber como ela se desenrola e, ao mesmo tempo, de ter êxito nela, e ainda, calculando o preço necessário a esta revolução, este homem sensato não a faria. Então, como “reviravolta”, como empreendimento que pode triunfar ou fracassar, como preço pesado a pagar, a revolução, em si mesma, não pode ser considerada como o signo de que existe uma causa capaz de sustentar, através da história, o progresso constante da humanidade.

Por outro lado, o que faz sentido e o que vai constituir o signo do progresso é que, em torno da revolução, diz Kant, há “uma simpatia de aspiração que beira o entusiasmo”. O que é importante na revolução, não é a revolução em si, mas o que se passa na cabeça dos que não a fazem ou, em todo caso, que não são os atores principais; é a relação que eles mantêm com essa revolução da qual eles não são agentes ativos. O entusiasmo para com a revolução é signo, segundo Kant, de uma disposição moral da humanidade; essa disposição se manifesta permanentemente de duas formas: primeiramente, no direito que todos os povos têm de se dar a constituição política que lhes convêm e no princípio conforme o direito e a moral de uma constituição política que evite, em razão de seus princípios, toda guerra ofensiva. É precisamente essa disposição da qual a humanidade é portadora em direção a uma tal constituição que o entusiasmo pela revolução significa. A revolução como espetáculo e não como gesticulação, como palco[iii] do entusiasmo para aqueles que a assistem e não como principio de transtorno para os que dela participam, é um “signum rememorativum”, pois ela revela esta disposição desde a origem; é um “signum demostrativum”, porque ela mostra a eficácia presente desta disposição; e é também um “signum prognosticum”, pois se existem resultados da revolução que não podem ser recolocados em questão, não se pode esquecer da disposição que se revelou através dela.

Sabe-se, igualmente, que esses são os dois elementos, a constituição política escolhida à vontade pelos homens e uma constituição política que evite a guerra, é isso igualmente o processo da Aufklärung, isto é, a revolução é antes o que finaliza e continua o processo mesmo da Aufklärung e é em certa medida também que a Aufklärung e a revolução são dois acontecimentos que não se podem mais esquecer. “Eu sustento, diz Kant, que posso predizer ao gênero humano, sem espírito profético, a partir das aparências e signos precursores de nossa época, que alcançará este fim, isto é, chegará a um estado tal que os homens possam se dar a constituição que eles querem e a constituição que impedirá a guerra ofensiva, de tal modo que, a partir de então estes processos serão recolocados em questão. Um tal fenômeno na história da humanidade não se pode mais esquecer, posto que revelou na natureza humana uma disposição, uma faculdade de progredir, de maneira tal que político algum poderia, mesmo que por meios sutis, separá-la do curso anterior dos acontecimentos, somente a natureza e a liberdade reunidas na espécie humana seguindo os princípios internos do direito estariam em condições de anunciar ainda que de uma maneira indeterminada e como um acontecimento contingente. Mas se o objetivo visado para esse acontecimento não era ainda esperado, quando mesmo a revolução ou a reforma da constituição de um povo tenham finalmente fracassado, ou mesmo se, passado um certo espaço de tempo, tudo retomasse a rotina precedente como predizem agora certos políticos, esta profecia filosófica não perderia em nada sua força. Porque este acontecimento é por demais importante, por demais imbricado com os interesses da humanidade e de uma influência por demais vasta sobre todos as partes do mundo, por não mais poder ressurgir na memória do povo em circunstâncias favoráveis ou ser recordado nos momentos de crise de novas tentativas do mesmo gênero, pois em um assunto tão importante para a espécie humana, é necessário que a constituição que se aproxima alcance em um certo momento esta solidez que o ensino das experiências repetidas não deixará de marcar em todos os espíritos”.

A revolução, de todo modo, se arriscará sempre de cair na rotina, mas com acontecimento, cujo conteúdo carece de importância, sua existência atesta uma virtualidade permanente e que não pode ser esquecida: para a história futura, é a garantia da continuidade mesma, de um passo para o progresso.

Eu pretendia somente de situar este texto de Kant sobre a Aufklärung; logo tentarei lêlo um pouco mais de perto. Eu pretendia também ver como, apenas quinze anos mais tarde, Kant refletiria sobre esta outra atualidade de outro modo muito dramática que era a Revolução Francesa. Nesses dois textos está de algum modo a origem ou ponto de partida de toda uma dinastia de questões filosóficas. Estas duas questões “O que é a Aufklärung? e O que é a revolução?” são as formas sob as quais Kant colocou a questão de sua própria atualidade. São também, penso, as duas questões que não cessam de martelar senão toda a filosofia moderna desde o séc. XIX, ao menos uma grande parte desta filosofia. Depois de tudo, me parece que a Aufklärung, ao mesmo tempo, como acontecimento singular inaugurador da modernidade européia e como processo permanente que se manifesta na história da razão, no desenvolvimento e instauração de formas de racionalidade e de técnica, a autonomia e a autoridade do saber, não é simplesmente para nós um episódio na história das idéias. Ela é uma questão filosófica, inscrita, desde o séc. XVIII, em nosso pensamento. Deixemos com sua piedade aqueles que querem que se guarde viva e intacta a herança da Aufklärung. Esta piedade é claramente a mais tocante das traições. Não são os restos da Aufklärung que se trata de preservar, é a questão mesma deste acontecimento e de seus sentidos (a questão da historicidade do pensamento universal) que é preciso manter presente e guardar no espírito como o que deve ser pensado.

A questão da Aufklärung ou, ainda, da razão, como problema histórico, de maneira mais ou menos oculta, tem atravessado todo o pensamento filosófico desde Kant até hoje. A outra face da atualidade que Kant encontrou é a revolução: a revolução ao mesmo tempo como acontecimento, como ruptura e como tormento na história, como fracasso, mas ao mesmo tempo como valor, como signo da espécie humana. Ainda ai, a questão para a filosofia não é de determinar qual é a parte da revolução que conviria preservar e fazer valer como modelo. A questão é de saber o que é preciso fazer com essa vontade de revolução, com este “entusiasmo” para a revolução que é outra coisa que o empreendimento revolucionário mesmo. As duas questões “O que é a Aufklärung?” e “O que fazer com a revolução?” definem, as duas, o campo de interrogação que dirigese para o que somos nós em nossa atualidade.

Kant me parece ter fundado as duas grandes tradições críticas entre as quais está dividida a filosofia moderna. Diríamos que em sua grande obra crítica, Kant colocou, fundou esta tradição da filosofia que coloca a questão das condições sobre as quais um conhecimento verdadeiro é possível e, a partir daí, toda uma parte da filosofia moderna desde o séc. XIX se apresentou, se desenvolveu como uma analítica da verdade.

Mas existe na filosofia moderna e contemporânea um outro tipo de questão, um outro modo de interrogação crítica: é esta que se viu nascer justamente na questão da Aufklärung ou no texto sobre a revolução; “O que é nossa atualidade? Qual é o campo atual das experiências possíveis?”. Não se trata de uma analítica da verdade, consistiria em algo que se poderia chamar de analítica do presente, uma ontologia de nós mesmos e, me parece que a escolha filosófica na qual nos encontramos confrontados atualmente é a seguinte: podese optar por uma filosofia crítica que se apresenta como uma filosofia analítica da verdade em geral, ou bem se pode optar por um pensamento crítico que toma a forma de uma ontologia de nós mesmos, de uma ontologia da atualidade, é esta forma de filosofia que de Hegel à Escola de Frankfurt, passando por Nietzsche e Max Weber, fundou uma forma de reflexão na qual tenho tentado trabalhar.

*Originalmente publicado em: «Qu’estce que les Lumières?», Magazine Littéraire, nº 207, mai 1984, pp. 3539. (Retirado do curso de 5 de Janeiro de 1983, no Collège de France). v Traduzido a partir de FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. Paris: Gallimard, 1994, Vol. IV, pp. 679688. Por Wanderson Flor do Nascimento.


Utilidade da Filosofia

Qual é a utilidade da filosofia ?
A Filosofia busca um olhar diferenciado, rigoroso e crítico sobre a dimensão da realidade, ultrapassando os limites imediatos nos quais o Ser encontra-se mergulhado! 
A filosofia apresenta-se como instrumento de superação de situações presentes, repensando os fatos dados e as ações que o pensamento induz, permitindo ao Ser apresentar-se apto às mudanças !
O que incomoda o filósofo é o imobilismo das coisas que são produzidas por um senso comum, e de forma ultrapassada!
O filósofo por meio de uma argumentação rigorosa, está sempre aberto as críticas ao status-quo!
A Filosofia se manifesta no rigor do pensamento crítico, buscando o significado, o sentido e atitude pro-ativa diante da possibilidade de ver o mesmo, com um olhar diferente!
O que caracteriza a Filosofia não é a posse da verdade, mas a sua constante busca!
Ela é sobretudo a experiência de um pensar permanece, mediante a conduta de admirar-se constantemente com o conhecido, como se este fato conhecido fosse inteiramente novo e instigante.
Mais que um saber, a filosofia é uma atitude diante da vida! Por isso, a filosofia não deve ser recebida passivamente, como um produto acabado. Deve-se compreendê-la como um processo reflexivo, crítico e autônomo a respeito da realidade e  da possibilidade de conhecimento e apropriação dessa realidade!

sábado, 16 de agosto de 2014

O caos artístico

"Os homens não deixam de fabricar um guarda-sol que os abriga, por baixo do qual traçam um firmamento e escrevem suas opiniões; mas o poeta, oartista abre uma fenda no guarda-sol, rasga até o firmamento, para fazer passar um pouco do caos e enquadrar numa luz brusca, uma visão que aparece através da fenda. Então, segue a massa dosimitadores, que remendam o guarda-sol com uma peça que parece vagamente com a visão; e a massa dos glosadores que preenchem a fenda com opiniões: comunicação. Será preciso sempre outros artistas para fazeroutras fendas e restituir assim a incomunicável novidade que não mais se podia ver." (DELEUZE e GUATTARI. O que é a filosofia?. 1992, p. 261-261.)

A arte rompe as convenções socialmente estabelecidas, introduzindo a desconstrução da realidade e instalação do "caos" em nossa visão tacanha de mundo e realidade! 
Somos empurrados e inseridos em uma nova postura, descobrindo a realidade subvertida pela sensibilidade criativa do artista!


Diálogos entre Filosofia e Arte


Deleuze não colocava a Filosofia a serviço da Arte, tampouco a Arte a serviço da Filosofia

São muitos os livros e artigos de Gilles Deleuze que trazem um diálogo privilegiado com as artes. Mesmo naqueles escritos em parceria com Félix Guattari, a proliferação de conceitos que nascem da conversa da Filosofia com campos artísticos parece indicar-nos alguma coisa importante. Algo que talvez nos fale de um certo modus operandi deste pensamento, um certo modo de funcionar a partir de acoplamentos, misturas, diálogos, um pouco daquilo que Deleuze e Guattari chamaram de blocos de devir.

Dizer que a Filosofia forma bloco com a Literatura, a Pintura e a Música não é o mesmo que dizer que ela se utiliza destes domínios para criar seus exemplos, suas comprovações nem vice-versa. Não é o mesmo dizer que a Filosofia se apropria das artes para criar seus conceitos e dizer que ela cria um bloco de devir com certas obras para daí fazer passar algo, deixar que neste encontro algo se crie, algo aconteça e faça passar devires.

O fato é que Deleuze, nas inúmeras conversas que seu pensamento travou com o Cinema, a Literatura, a Poesia, a Música, as Artes Plásticas, acabou deixando margens para que sua filosofia pudesse ser tomada como crítica de arte, ou como arcabouço teórico a fornecer “modelos” a serem “aplicados” na leitura de um objeto artístico. A nós parece de fundamental relevância, para a compreensão de sua proposta, que essa nuance seja explicitada: Deleuze não colocava a Filosofia “a serviço da Arte”, tampouco a Arte (ou as Ciências, a Psicanálise, a Política etc.) “a serviço da Filosofia”, mas, antes, procurava fazer ressoar os planos de composição da arte e de imanência da Filosofia, como se algo nascesse do encontro dos dois, desta trepidação.

Como ele mesmo lembra em sua palestra “O que é o ato de criação?: “A Filosofia não foi criada para ficar refletindo sobre o que quer que seja. Ao se tratar a Filosofia como uma potência de ‘refletir sobre’, acreditamos que lhe demos tudo, mas no fundo retiramos tudo. Ninguém precisa da Filosofia para refletir.” Ao que podemos cantar em coro com Deleuze e dizer que só a Arte pensa sobre a Arte. E quanto à Filosofia, ela é uma máquina de produzir conceitos que, como toda máquina, deve ligar-se a outras máquinas para funcionar. Tal seria o programa de uma filosofia prática, experimental: criar, no acoplamento com aquilo que está fora dela – ou que é o seu fora –, conceitos necessários, que se tornam necessários no confronto com campos problemáticos. Só pensamos forçados, impulsionados por algo que está fora do pensamento, algo ainda não pensado, não pensável. É aí que vale a pena pensar, é aí que o pensamento filosófico é forçado a criar conceitos. Trata-se do projeto de uma filosofia que sirva para pensar a vida, que só funcione uma vez acoplada a outros campos de experimentação que a forçam a criar.

Assim, do acoplamento da filosofia de Deleuze e Guattari com a Arte, o que nasce são conceitos, personagens conceituais que operam no plano de imanência, ou de consistência, da Filosofia. Ou seja, ao se encontrar com as Artes, a Filosofia tem como efeito produzir diferenciações múltiplas no pensamento, resultando na criação de conceitos filosóficos e não de modelos analíticos, teóricos, a serem reaplicados ao objeto artístico ou ao texto literário. É neste sentido que tanto os livros de cinema (Cinema I – a imagem-movimento e Cinema II – a imagem-tempo) quanto o dedicado ao pintor Francis Bacon (Francis Bacon-Logique de la sensation), ou a Proust (Proust e os signos), ou ainda aquele em que ele e Guattari dedicam à literatura de Kafka (Kafka por uma literatura menor) são livros de Filosofia e não de crítica de Arte. E poderíamos acrescentar aí, apenas para efeito ilustrativo, os capítulos de Mil platôs em que comparecem a música e as artes em geral, as belas páginas de O que é a Filosofia? sobre afetos e perceptos, os ensaios de Crítica e clínica, dentre muitos outros momentos em que a literatura – talvez esta tenha sido a mais evocada por eles – e as outras manifestações artísticas são convocadas para ressoar e fazer proliferar conceitos da mais alta plasticidade e singularidade.

Ritornelo

Dentre os conceitos que nascem deste encontro, o ritornelo talvez seja um dos mais expressivos. Dizemos isto porque, ao descrever o movimento do ritornelo, no capítulo 11 de Mil platôs “Acerca do ritornelo” (volume 4 da tradução brasileira), Deleuze e Guattari elaboram plasticamente o movimento mesmo da repetição da diferença.

Para fazer nascer este conceito, eles buscam na música sua principal imagem. Uma criança que canta para afugentar o escuro, alguém que canta enquanto arruma a casa, alguém que canta criando seu lugar, ou alguém que canta um canto de partida “adeus amor, vou partir”. De um primeiro giro se faz um centro, um eixo de sobrevida, mas um segundo giro se faz necessário e o eixo se amplia pela extensão que lhe envolve. Mas como tudo aquilo que abriga também obriga, os filósofos imaginam sua ciranda indo além desta simples fundamentação de um lugar, para enfim desfazer-se no seu afundamento: forças diversas invadem o pequeno terreno e atraem para fora o seu principal personagem que, estando fora, mergulha em um novo ciclo ou mergulha no sem ciclo.

É assim que o ritornelo consiste em três aspectos inseparáveis: 1. escolher um eixo; 2. desenhar um domínio – território – em torno deste eixo; 3. traçar a partir deste domínio, ou território, linhas de fuga que levem a outro ritornelo (no qual novamente será desenhado um território em torno de um eixo, do qual serão traçadas linhas de fuga etc…). Não seriam três etapas, mas três aspectos que devemos conceber como simultâneos no ritornelo. Sendo o terceiro aspecto este vetor de desterritorialização, em que o território se precipita em sua própria dissolução.

Mas esta pequena ciranda não se dá sem que eles conversem incessantemente com a música e outras artes. É então que entram em cena os compositores Luciano Berio, Alban Berg, John Cage, Robert Schumann, Modest Mussorgsky, -Edgard Varèse e Olivier Messiaen. Com exceção de Schumann, todos compositores que viveram o desfazimento da música romântica do século 19. De cada um dos compositores eles trazem uma idéia. Mas não se trata de extrair destes exemplos ilustrativos. A música também tem seus conceitos e são os conceitos e estratégias de composição que Deleuze e Guattari põem lado a lado com os conceitos da Filosofia para daí fazer eclodir movimentos quase que inusitados.

Os interlocutores dessa conversa vão além da música e eles chamam Paul Cézanne, Vincent Van Gogh, Paul Klee, Francis Bacon, Samuel Beckett, Antonin Artaud. E o ciclo do ritornelo, que poderia ser fechado, abre-se frente a estes que escancararam as portas da arte no século 20, que a retiraram de seu eixo seguro para fazê-la conectar-se novamente com as forças não formadas do caos. E é aqui que advém um dos motivos circulares de Deleuze, aquele que ele rouba sutilmente de Paul Klee: “A Arte não imita o visível; ela torna visível o não-visível.” A Arte sai dos limites fáceis do que é sensível, do que tem nome e forma, para buscar no caos, em que a forma é sempre apenas provisória, pontos soltos, linhas soltas e então dar-lhes corpo. Dar corpo tátil ao som, dar corpo sonoro ao tempo, dar visibilidade ao que é tátil, dar sonoridade ao que era apenas volume em uma pedra. Este cruzamento, que o filósofo português José Gil bem localizou no pensamento de Fernando Pessoa, sobretudo em seu Alberto Caeiro e na sua teoria do sensacionismo: fazer ver o cheiro da chuva oblíqua.

E talvez o próprio Deleuze, com Guattari, tenha encontrado uma imagem, a partir de D.H.Lawrence, que resumiria seu pensamento. Lemos em O que é a Filosofia?: “Os homens não deixam de fabricar um guarda-sol que os abriga, por baixo do qual traçam um firmamento e escrevem suas conversações, suas opiniões; mas o poeta, o artista, abre uma fenda no guarda-sol, rasga até o firmamento, para fazer passar um pouco do caos livre e tempestuoso e enquadrar, em uma luz brusca, uma visão que aparece atrás da fenda, primavera de Wordsworth ou maçã de Cézanne, silhueta de Macbeth ou de Ahab, segue a massa dos imitadores, que remendam o guarda-sol, com uma peça que parece vagamente com a visão; e a massa dos glosadores que preenchem a fenda com opiniões: comunicação.”

E é assim que a Filosofia, como lugar de criar conceitos, se força a cruzar com outros personagens, aqueles da Arte a quem Deleuze e Guattari chamam de “seres de sensação”, que acabam tornando sonoros, visuais, táteis, cheios de movimento os conceitos filosóficos. E arrastam a Filosofia para onde ela não só é forçada a pensar como ainda dançar e cantar. Tendo feito o seu ritornelo, imaginado uma primeira canção, um primeiro conceito, imaginado todos seus amigos e debatedores, o filósofo segue a viagem solitária, viagem longa, no entanto, viagem no mesmo lugar: a linha de fuga que a Filosofia encontra na Arte. Esta, um dos ritornelos de Deleuze, que o leva para longe da opinião, para longe da comunicação: “Nenhuma relação entre a obra de arte e a comunicação.” A Arte, aquele ponto no futuro no qual a Filosofia busca suas novas linhas de conexão.

Silvio Ferraz
é compositor, professor no Depto. de Música da Unicamp e autor de Música e repetição (Educ, 1998) eLivro das sonoridades (Ed.7Letras, 2005)

Annita Costa Malufe
é poeta, doutoranda no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp e autora de Fundos para dias de chuva, poemas (Ed.7Letras, 2004) e Territórios dispersos: a poética de Ana Cristina Cesar (Annablume, 2006)


    Mulher chorando.Pablo Picasso,1937